Lendo uma das cartas que foi entregue para mim ontem, percebi que a caligrafia da pessoa em questão, lembra a letra inclinada da minha mãe. Claro que existem muitas letras parecidas, mas isso me chamou atenção. Outra coisa que eu reparei especificamente nessa carta, são as iniciais N e A na última linha; me lembrou o nome da minha mãe: Naomi Alencar.
Vou até a sala para conversar com papai. Decidi que vou contar tudo o que aconteceu nessa semana. Falo sobre as cartas, sobre a clínica, sobre como me sinto escrevendo para essas pessoas, sobre a moça da clínica, o telefonema do hospital, as roupas da mamãe. De primeira, ele fica surpreso, impressionado em como consegui fazer isso durante esse tempo todo sem que eles soubessem e ainda ajudando as pessoas. Conversamos bastante, ele disse que sente orgulho de mim e que quer me levar a um lugar.
De início eu não fazia ideia de onde meu pai queria me levar e agora que ele acabou de estacionar o carro em frente à clínica que trago as cartas, eu estou ainda mais confusa. Não entendo o porquê de nós estarmos aqui. Ainda continuo sem entender quando ele diz o nome completo da minha mãe na portaria. Esperamos do lado de fora, próximo ao jardim. Uma mulher se aproxima e quando chega mais perto, consigo visualizar melhor.
— Meu Deus! — são as únicas palavras que saem da minha boca.
Corro para seus braços. Sinto seu perfume de baunilha, que bom que não mudou.
— Que saudades, mãe. Por que a senhora está aqui? —perguntei enquanto ela depositava um beijo nos meus cabelos — Pensei que estivesse trabalhando no hospital da cidade vizinha.
— Vem um instante comigo, precisamos conversar. — minha mãe diz enquanto coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha, depois ela olha para meu pai e ele assente, se afasta e ela me leva para um banco que está posicionado um pouco mais adiante, perto de uma árvore. — Eu pedi para o seu pai te trazer aqui porque precisamos conversar. Sei que você está confusa, mas não se preocupe, querida. Vou responder todas as suas perguntas. — ela sorri tristemente.
— O papai te contou sobre eu ajudar as pessoas com cartas? Mãe, por favor, não fique brava comigo.
— Não é isso, Gabe. Eu estou de licença do hospital. Estou em tratamento psiquiátrico, sofro de depressão a algum tempo e sempre fiz de tudo para que você não soubesse, não conseguiria me sentir bem, sabendo que você estaria preocupada comigo.
— Mas você deveria ter me falado, mãe, sou sua filha, poderia te ajudar.
— Você já está me ajudando, com as suas cartas e com as várias outras que manda para os outros pacientes. Isso é incrível, Gabe. — ela abre um sorriso orgulhoso.
Sorrio contente, no fundo, eu acho que sabia que era ela esse tempo todo. As iniciais, o modo de expressar suas palavras e também a letra são marcas da minha mãe. E acho que, no fundo do meu coração, algo dizia que a minha mais nova destinatária tinha algo familiar além de ser tão especial.
— Eu estou do seu lado, mãe. Sei que a senhora sempre zelou pelo nosso bem, fez de tudo para que eu me sentisse bem nas minhas consultas. Quero o mesmo para a senhora.
— Sua mãe e eu não queríamos te assustar, por isso mentimos para você. Eu estou orgulho de você, Gabe. Espero que você continue ajudando a todos. — meu pai se aproxima e senta ao meu lado.
— Os pacientes ficam tão felizes de ter alguém para desabafar. — minha mãe fala com um sorriso no canto dos lábios e agora quem se sente orgulhosa sou eu — Minha filha, você faz a diferença na vida de cada uma dessas pessoas.
Conversamos um pouco mais, fiz questão de saber sobre a rotina da minha mãe na clínica. Eu não sei quando ela vai voltar para a casa, minha mãe ainda está no início do tratamento. O que eu sei com absoluta certeza, é que irei fazer o possível para ajudar, vou fazer visitas frequentes e continuar com as cartas. Jamais pretendo parar de escrevê-las. Nos abraçamos e eu me sinto verdadeiramente em um lar, envolvida nesse abraço repleto de amor e carinho.
Meu pai e eu acabamos de chegar em casa e eu sei exatamente o que devo fazer. Vou para a escrivaninha e separo uma folha de papel, uma caneta e um envelope. Penso em tudo o que quero transmitir por meio de palavras e começo a escrever:
Quando eu comecei com esse projeto, nunca imaginei que iria ajudar a minha família também. Na verdade, o meu foco era justamente auxiliar as pessoas que, de alguma forma, se sentem sozinhas. Agora, não vou me limitar a um grupo de pessoas com alguma necessidade específica, pretendo ajudar a todos.
É difícil tentar ajudar alguém da família e ainda mais difícil quando não se percebe que a pessoa precisa de ajuda. Mas eu estou disposta a ajudar você, mãe, no que você precisar, conte sempre comigo.
Amanhã passo na clínica para te contar as novidades.
Beijos da sua Gabe!
♡Essa história contém 2740 palavras.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cartas ao Vento
Short StoryGabriela é uma adolescente de dezesseis anos que escreve cartas com o intuito de ajudar pessoas com transtornos psicológicos. Uma vez por semana a garota ai até a clínica da sua cidade para mostrar sua solidariedade e compreensão a essas pessoas. E...