Freesias

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Já havia se passado certo tempo, alguns dias, desde a última vez que Érica notara algo diferente ou estranho.
Esta era um dia como todos os outros. Érica e Amanda cuidavam das, arrisco dizer, infinitas flores que haviam no jardim da frente, enquanto Simon pintava algo que era escondido pelo cavalete a sua frente. O lugar era preenchido com lindas flores de vários tipos, cores e tamanhos. Seria uma bagunça, se não fosse tão belo.
Érica regava algumas rosas de variadas cores, enquanto Amanda rodopiava em meio a lavandas, alissos, begônias, Camélias e suas preferidas, as freesias. A pequena balançava e girava no meio do que no momento, parecia ser um borrão de cores, iluminado pela luz fraca do sol, e agitado junto da fita rosa presa ao vestido da garota, por conta do vento.
Mas algo chama a atenção da mais velha.
-Mamãe, essa aqui está caída. Parece seca e triste. Está feia!
-Deve ser impressão sua. Algumas espécies são diferentes de outras, talvez seja alguma que você não tenha visto antes, querida. –As palavras de Érica eram mais para tranquilizar a si mesma e menos para a garotinha, que por sua vez, não entendia a aparente preocupação da mãe.
-Mas são minhas favoritas, seria impossível não reconhecer. –Amanda murmura em um tom de descrença que deixaria qualquer na dúvida até sobre as maiores certezas da vida, e Simon, que até então estava em silêncio, se manifesta.
-Tudo bem, vá para dentro e coma alguns biscoitos. Eu e sua mãe daremos um jeito nisso. –Diz calmamente, abaixado, com uma mão apoiada no ombro da loira numa tentativa de acalmá-la, seguido de uma piscadela.
Assim que se certifica de que Amanda não pode mais ouvi-los, Simon se aproxima vacilante das flores e pede com gestos de mãos para que Érica faça o mesmo.
-É só uma flor diferente, certo? Ela vive se impressionando com coisas diferentes. –Pergunta Érica, na vaga esperança de ter seu palpite confirmado.
-Não, ela está certa. São freesias, e estão secas e caídas. –Sua voz expressa certa tristeza em meio as palavras.
-O que faremos? – A mulher parece assustada e incrédula, mas sua voz parece tentar encontrar um certo equilíbrio na tentativa de não demonstrar.
Simon por suas vez, sacode a cabeça para afastar seus devaneios e dar lugar para o otimismo.
-Não faremos nada. –Pausa para encarar a loira a sua frente, que parece em choque com o que acabara de ouvir. – Continuaremos cuidando das flores, como elas merecem, para que não aconteça o mesmo com todo o jardim. 
Quando nota a boca de Érica se abrindo devagar para dizer o que supôs ser um “mas”, continuou:
-Escute, flores murcham, okay? Estranho mesmo seria se continuassem assim, belas para sempre.
  Simon estava certo, era evidente. Mas flores não murchavam naquele lugar por uma razão, não sabiam qual, mas havia alguma, precisava haver.
[...]

  O céu já estava escuro e era possível ver todas as estrelas existentes no céu, ou o que julgavam ser todas. Afinal, eram muitas. De certa forma, eram as únicas que conheciam, eram as mesmas, toda noite. Para os três, aquelas eram todas.
Simon e Érica colocavam Amanda para dormir, a cobriram, a depositaram um beijo na testa cada, e quando estavam prestes a sair...
-Mamãe, papai! –Espera até que tenha atenção de ambos. –As flores vão continuar feias?
Os dois se entreolham, mas quem decide dar um passo a frente, é Érica. A mais velha se abaixa ao lado da cama para estar próxima da garota e diz com uma voz doce:
-Não estão feias, querida. Apenas estão fracas, mas ainda são flores tão belas quanto antes e ainda são suas favoritas. Por estarem fracas, se tornaram diferentes agora, mas isso apenas as tornará mais belas quando se recuperarem.
-E se elas não se recuperarem? –Essa pergunta assustava Érica, mas precisava ser respondida.
-Então, elas terão outro tipo de beleza, criada pelas lembranças. Mas não precisa se preocupar com isso, não pensamos nisso até que aconteça, certo? –A mais velha faz um carinho nos cabelos da pequena, que por sua vez assente.  Em seguida se levanta e junto de Simon, sai do quarto e fecha a porta.
Os dois andam lado a lado pelos corredores, até que Simon abre a porta de outra sala, era a sala de pintura do mesmo. Érica não notaria se não fosse pelo gemido de dor do parceiro.
-O que houve? - Diz preocupada se aproximando do companheiro.
-Apenas um pouco de dor no peito, já vai passar. – O homem a afasta de maneira gentil, porém suspeita.
-Certo...Vamos para o quarto, você precisa descansar.
-Não estou com sono, pode ir. –Desta vez ele se aproxima e deposita um beijo no topo da cabeça de sua amada. –Vou terminar a pintura de hoje cedo, sinto que preciso.
Érica apenas assente, ela sabe que não vai ajudar em nada discutir, então apenas olha pelo vão da porta e vê seu marido secando pincéis para serem usados na tela que parecia conter uma mulher de pele escura, cercada de algo verde que não sabia dizer o que era.

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⏰ Última atualização: Mar 27, 2020 ⏰

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