UM

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18 de outubro.

Eu só pedi uma coisa de aniversário: nenhuma festa. Na verdade pedi duas: nenhuma festa e paz.
Eu só queria curtir o meu dia sem celular, internet, eu queria sentir o vento no meu rosto e apenas isso, eu não precisava de mais nada.
Eu gosto muito de ir em lugares diferentes, de entrar em ruas desconhecidas, só pra saber como são as casas, ou porque alguma árvore me chamou atenção, ou quando encontro alguma árvore repleta da minha fruta favorita: jambo. Em outubro é o mês que todas as árvores florescem, elas são roxas e são gostosas, mas não tanto quanto a fruta que é roxinha e macia, e eu adoro comer com sal.
Na cidade vizinha a minha, que é bem pequena, todas as árvores de uns três quarteirões seguidos era formado por uma fila enorme de jambeiras. Pela primeira vez eu usei minha habilitação e dirigi atrás das minhas frutinhas. Fiz uma colheita bastante farta e comi até enjoar olhando a correnteza forte do rio negro. Eu estava com um saco cheio no banco de trás, minhas irmãs amam jambo também, e eu também sabia que no outro dia não ia estar mais enjoada e iria querer mais. Era umas 19h quando decidi ir pra casa, e tive uma viagem tranquila, que eu sou desastrada todo mundo sabia, mas eu não sentia mais medo. Eu gostava de correr. Gostava de andar com as janelas abertas e sentir o vento na minha cara. Eram só 30km então eu cheguei rápido na cidade, mas não estava afim de ir pra casa. 

Parei para abastecer e decidi ficar zanzando pela cidade, dirigir me relaxava. Entrei na conveniência do posto e comprei vários chicletes (eu sou viciada em chiclete), quando voltei pro carro um senhor de idade avançada passou por mim e sorriu e disse da forma mais suave possível com uma voz bondosa:

- Feliz aniversário, Ani! - seu rosto inteiro sorriu e eu não pude deixar de retribuir, e antes que eu pudesse responder o frentista falou que o tanque já estava cheio. Me virei para pagar, depois voltei pra agradecer o senhor e perguntar como ele sabia meu aniversário, mas ele não estava mais lá, pedi informação do frentista e ele me olhou como se eu fosse louca

- Moça não tinha ninguém além da senhora aqui. - franzindo o cenho ele virou as costas e foi embora para outro carro.

Fiquei estática por um segundo achando que talvez estivesse alucinando, peguei o celular e pesquisei se o excesso de jambo poderia ter algum efeito colateral, havia, dor de estômago por exemplo, mas nada relacionado a alucinações. Resolvi deixar pra lá e entrei no carro,  coloquei uma música antiga de uma banda que eu ouvia e gostava antes de todo o caos, e segui o GPS entrando em ruas que eu não conhecia. Por incrível que pareça eu não estava correndo (tanto); estava no limite permitido, sinceramente não sei oque aconteceu, foi uma experiência extra corpórea, como se eu tivesse saído do meu corpo e ficado observando a cena de longe, em câmera lenta sem poder fazer nada a não ser ficar olhando com a boca aberta.

O carro estava indo na sua preferencial, mas outro carro invadiu a preferencial (eu não fui a culpada) e acertou o carro que eu estava com tanta força que o impacto deixou meu carro preso entre um poste e o causador do acidente. Eu não senti nada, até porque eu estava fora do carro, olhando de longe, mas não entendia oque estava acontecendo, nem se aquilo era real.

Não era real.

Não é real.

Não aconteceu.

NÃO É REAL. 

Eu fiquei repetindo isso pra mim mesma enquanto caminhava a passos lentos em direção a outra eu que deveria estar no carro, e pensando que era óbvio que não havia ninguém lá porque eu estava caminhando em direção indo olhar. Quando cheguei na janela, fiquei em choque me olhando, olhando o meu corpo, meu rosto, minhas mãos cheias de Trident de canela, meu sangue, eu. Imóvel. Eu sangrando. Fiquei mais tempo que deveria tentando entender aquilo, até me convencer que aquilo era um sonho, eu tinha sonhos realistas demais, esse era meu problema. Mas era só um sonho. Só um sonho e eu só tinha que esperar acordar. Mas eu não acordei, e nem aquilo parecia mais um simples sonho, principalmente com bombeiros desligando a energia do porte, de uma ambulância me tirando do carro, de me ver ali, não podia ser real, mas era.
Eu não conseguia falar. Não conseguia mais me mover, e ninguém pareceu perceber minha presença ali. Nessa hora minha ficha caiu, eu tinha morrido?
Eu morri?
Eu sou um fantasma?
Como alguém pode virar um fantasma para observar a própria morte?
O que merda estava acontecendo?
Ninguém me respondeu nada, e aí tudo ficou escuro.

O Cara dos Meus SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora