I - Para sempre!

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I

Para sempre!

─ Você sabe que essa viagem sempre foi o meu sonho Artur. Para de surtar!

─ Eu não tô surtando! - O garoto tentava esconder suas lágrimas em vão – Eu só não sei como vai ser agora.

Ninguém mais era testemunha daquele último encontro, e somente o vento frio e o ipê quase sem folhas poderiam ser cúmplices dos dois jovens enamorados. Poucas pessoas iam até a praça antiga, e menos ainda os que poderiam contrariar o frio e a chuva eminente, galgando gélidos e punindo qualquer um que se atrevesse. Em tempos de sol, aquele lugar era um dos mais lindos da cidade, calmo, florido e com um ipê roxo de quantos anos pode-se ter uma árvore, todo cravado com nomes e inciais de casais apaixonados. Mas não eram tempos de sol, e nada parecia crescer e desafiar o inverno de Serra das Luzes.

Alguns postes começavam a se acender, e sentados num dos bancos, a jovem de cabelos cacheados e bem cumpridos, de óculos de grau e camisa listrada, enxugava o rosto do rapaz com delicadeza e suavidade. Esboçava no rosto um sorriso fraco, térnuo, mas sabia que não seria o bastante para acalmar o pranto. Outros três bancos vazios pareciam uma plateia fúnebre, virados para o centro da praça antiga onde ficava o ipê, rodeado por um canteiro seco que costumava ter flores e grama até duas semanas atrás.

Assistiam, esses outros, o embate da menina Rute para secar o rosto de Artur. Não era o rosto que chorava, não... E ela sabia disso, mas como poderia acalmar um coração ferido? O vento batia nas folhas das outras árvores, e de algum lugar distante os trovões se aproximavam com a chuva. Compunham uma melodia triste para aquele momento, e tudo o que o garoto fazia era chorar, lamentando sem nenhuma palavra e olhando para as tantas gravuras na madeira da árvore, em que, só para eles, se destacava o "R e A". A brisa esfriava mais a cada segundo.

─ O que eu vou fazer Rute? - A voz tremida e os olhos verdes avermelhados pelo choro tentavam encontrar na imensidão negra da pele de sua amada alguma resposta que lhe acalentasse o peito – Eu te amo.

─ Ei, não seja tão dramático! - A garota permanecia quase inabalável, sorridente e tranquila como sempre foi – Você sabe que isso não é um adeus e você sabe que eu sempre vou te amar. É nosso destino estar sempre juntos, esqueceu? Para sempre!

─ Você... Você vai embora – passava as palmas das mãos pelos olhos tentando, inutilmente, cessar as lágrimas - e eu só tenho você.

─ Eu jamais te deixaria – a jovem levantou-se, ficando bem a frente do rapaz e enxergando seus olhos de cima, aproximou-se e beijou-lhe os lábios amorosamente – até breve.

Antes de vê-lo desabar, Rute afastou-se e seguiu para além do entorno da praça, delimitado por um círculo de concreto e tijolos vermelhos bem desgastados. Próxima a estrada onde havia deixado sua moto, olhou mais uma vez para trás, sem um sorriso, enxergando já distante a imagem do garoto que parecia tremer enquanto não desviava os olhos da árvore.

Foi embora, e com sua partida a chuva logo iniciou, sem muita cerimônia, rápida e intensa, lavando o rosto da figura ali sentada e se fazendo uma companhia quase indistinta. Não queria pensar em mais nada, somente deixar que o vento e a água lhe fizessem sentir frio ou qualquer outra coisa que não fosse aquela dor e uma sensação amarga na garganta, de sequer ter podido eternizar aquilo para sempre.

Quando as lágrimas finalmente começaram a cessar, e os raios já iluminavam o céu nublado, o garoto levantou-se e seguiu a pé até sua casa, não tão distante dali, onde morava com seu avô. Nada no caminho parecia igual, a estrada enlameada, as cercas com velhas estacas e os galhos que pareciam querer invadir o caminho. Somente a luz dos relâmpagos parecia atravessar o céu nublado. Nada mais seria igual.

Na varanda da casa, simples e sem grandes adornos, um velho magro balançava numa cadeira de madeira, parecia seguir o movimento das árvores, indo de lá para cá com o vento agitado. Se via que não era uma casa pobre, mas qual adjetivo poderia ser dado a ela? Era igual tantas das poucas casas ali na rua, todas iguais e normais. A Serra das Luzes, como um todo, era uma cidadezinha muito normal. Pouco mais de vinte mil habitantes, longe da capital e do litoral, longe de ser qualquer coisa além de pacata. Assim também era Artur, pacato e sem grandes aspirações.

─ Por que chegou tão tarde? - a voz rouca era de Luís, um senhor de quase 60 anos e jeito rude – Eu pensei que você viesse mais cedo para me ajudar com o jantar.

─ Desculpe vô, tive que resolver um problema.

─ Que tipo de problema você pode ter? Não faz nada além de estudar!

O garoto apenas o ignorou e seguiu para dentro de casa calado e cabisbaixo. De camisas largas e com o olhar rumo ao céu, seu avô tinha um rosto marcado por algumas rugas e o cabelo completamente branco.

─ Ao menos troque essas roupas molhadas – ao perceber que os raios começavam a se intensificar, também entrou na casa – não quero que fique doente.

─ Certo.

Artur fez o que o avô pediu, tomou banho e se trocou para o jantar, religiosamente às sete da noite, costume que Luís havia adotado desde a época em que serviu ao exército. Nem mesmo a sua casa parecia igual, ou a água do chuveiro, ou o cheiro de suas roupas. De repente, sentiu que prestava atenção a cada coisa pela primeira vez, porque pela primeira vez elas pareciam não estar no lugar certo. Nada estava certo.

Pôs a tigela com sopa de legumes e uma bandeja com alguns pães sob a mesa. Pegou dois pratos no armário da cozinha, preparando tudo como sempre fazia. A mesa, quadrada e de madeira, acompanhava a simplicidade e minimalismo de toda a casa, com móveis simples e quase nenhuma decoração, exceto por alguns porta-retratos na estante da sala e um quadro da santa ceia na parede próximo de onde faziam as refeições. O avô sentou-se primeiro, os dois fizeram uma oração juntos e então se serviram.

─ Fiquei preocupado com o horário que chegou. Quase se atrasou para o jantar.

─ Não vai se repetir vô, desculpe.

─ O que houve? Foi alguma namorada.

─ Desculpe vô, não quero falar sobre isso.

O silêncio entre os dois permaneceu, quebrado apenas pelo som dos trovões. Luís passou alguns minutos ouvindo o rádio e deitou-se em seguida, enquanto o seu neto terminava de lavar as louças e conferia algumas mensagens em seu celular. Não tinha muitos amigos e a única mensagem que desejaria naquele momento era alguma que indicasse a desistência de Rute com sua viagem, embora tivesse plena certeza que ela jamais desistiria.

Enquanto a luz dos relâmpagos clareava o seu quarto e o barulho da chuva parecia inundar tudo lá fora, o pensamento de Artur se voltava unicamente para Rute e a impotência por não tê-la mais por perto. Olhou mais uma vez suas fotos no papel de parede do celular, admirou como se quisesse voltar aquele momento e vivê-lo em intensidade como o foi. Ele, um rapaz franzino de olhos verdes, e ela uma garota de pele negra e cheia de luz, cheia de curvas e com um olhar capaz de hipnotizar qualquer homem... Sem dúvidas fora isso o que mais o atraiu nela, saber que ela poderia ter qualquer um mas havia o escolhido.

Foi no dia daquela foto, há dois anos, que pela primeira vez seu coração bateu forte ao ponto de quase explodir, acolhido de uma forma que não saberia explicar, e especial como só a presença dela era capaz. Ali, também, deram o primeiro beijo e juraram ficar juntos para sempre, mas agora... O sono já começava a lhe dominar e, antes de adormecer por completo, a garota fez-lhe companhia em sensação, e viu sua silhueta próxima a cama em que dormia, e finalmente adormeceu por completo.

─ Ei, garoto, me escute. Você pode me ver!

Não, aquela não era Rute... E aquele não era mais seu quatro.

Não sabia onde estava, mas também não o estranhava, seja lá qual fosse aquele lugar. Um salão branco cheio de vultos com um deles mais vívido, uma menina ruiva que parecia amedrontava e que queria falar algo. Não a conhecia, nem mesmo podia enxergar com clareza seu rosto ou seus traços, somente podia ver que seus cabelos eram vermelhos como brasa.

─ Eu não tenho muito tempo. Me ajude!

Antes que qualquer outra coisa pudesse ser dita, Artur sentiu-se estranho e as imagens se misturaram completamente, até que ele abriu os olhos e percebeu que já era dia. Havia sido só um sonho.

UngidoOnde histórias criam vida. Descubra agora