Não pensei que estaria aqui.
Jamais pensei.
Ao meu lado, o garoto que eu gostaria que fosse o homem da minha vida manipula o volante com tanta destreza que é como se isso estivesse gravado em seu mais profundo inconsciente, como se nascesse sabendo fazer aquilo.
As janelas abertas fazem meu cabelo sair do lugar, algumas vezes obstruindo minha visão, outras apenas chicoteando meu rosto.
Estar em casa sozinha me sufocava toda vez, o silêncio tormentava minha cabeça e tornava meu coração mais pulsante do que nunca.
O tic-tac do relógio fazia uma contagem regressiva, as paredes acompanhavam o decair dos números. Me fechando dentro de uma caixa bem pequena, capaz de guardar um anel de diamantes... eu estou longe de ser um diamante.
Com meu celular em mãos, disquei o único número que veio em minha mente. O dele.
Minha voz travava e era difícil pronunciar uma frase sem sentir que meu peito e meus pulmões estavam sendo rasgados. De qualquer forma, meu socorro chegou de prontidão.
15 minutos, nada mais e nada menos.
Esse foi o tempo que ele disse que levaria para me buscar. Promessa cumprida. Eu estava sentada no banco do passageiro às 22:55.
O rádio tocava sua playlist costumeira. Sua calmaria nunca combinara com as batidas aceleradas de meu coração. A bomba-relógio que pulsava dentro de mim ignorava qualquer estímulo que propusesse uma mudança de ritmo.
Nos minutos que passamos parados, eu conseguia observar tudo claramente. Seus olhos brilhantes, seu cabelo bagunçado, sua boca mexendo enquanto tentava promover um diálogo comigo e por fim seu peito subindo e descendo calmamente quando ele finalmente recostou as costas no banco e encarava a visão do para-brisa.
O cheiro do cigarro dele preenchia o carro e também um vazio dentro de mim.
— Eu me preocupo com você — Essa foi a única parte que meus ouvidos conseguiram captar após seu longo discurso.
Por mais que eu quisesse responder, nenhuma frase acabou se formulando em minha cabeça antes que ele proseguisse falando.
Deixando minha cabeça pender para o lado, consegui notar cada uma das luzes amareladas dos postes que passavam por nós. A iluminação não-tão-clara e a rua vazia trouxe uma sensação confortante.
Eu quero ver pra não lembrar
Pensei até em me mudar
Lugar qualquer que não exista
O pensamento em você— Você já quis esquecer alguém? — A música do Tim Maia penetrou meus tímpanos e antes mesmo que eu pudesse me dar conta, estava falando sobre isso.
— Já... e você? — Talvez ele tenha percebido que minha cabeça voltou para o lugar e acabou deixando escapar um sorrisinho solitário naquele rosto que eu penso conhecer tanto.
— Nunca — Direciono meu olhos para os seus, notando que um sorriso brota em meus lábios inconscientemente.
— Sabia que eu gosto muito de olhar nos seus olhos? É uma pena eu estar dirigindo agora — Sua boca se mexe de forma calma, assim como todo seu corpo. As covinhas em suas bochechas fazem um gracejo para mim... talvez não estejam aparentes por conta da escuridão do carro, mas sei que elas estão ali.
— Parece loucura? — Ajeito minha postura no banco, respirando fundo e me preparando para uma aceleração desenfreada do meu coração mais uma vez.
— O quê? — Ele passa a língua pelo lábio inferior de uma forma tão discreta que talvez nem perceba essa pequena mania.
— Eu te amar ao ponto de não querer sair do seu lado nunca mais... — Soltei a frase como se fosse insignificante, mas dentro do meu peito ela ecoava tão alto que uma voz respondia de volta dizendo "a vida não é uma comédia romântica".