1|Janela branca

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2 802 palavras (conto todo)

O dia era quente e o sol brilhava bem-humorado numa tarde de 1949 quando te vi pela primeira vez.

Eu estava a caminho da sapataria do meu pai quando reparei que aquela casa era a causa dos murmúrios nos cafés e nas tabernas da última semana.

Aquela casa pintada a azul claro e com janelas brancas tinha sido comprada por uma família à uma semana. Tinha sido comprada pela tua família à uma semana.

Se os murmúrios tivessem certos, tu e a tua família tinham vindo de Itália em busca de trabalho. O teu pai era carpinteiro e a tua mãe fazia de tudo um pouco, então decidiram vir para a América, que na altura era cheia de oportunidades e chances de uma vida melhor.

No meio destes pensamentos olhei para cima e então vi-te na janela do teu quarto a ler um livro. Um livro de física.

Fiquei uns minutos a admirar-te, quando tu viras-te os teus olhos na direcção da rua, respiras-te fundo a olhar para o horizonte e segundos depois notaste a minha presença ali.

Antes que tivesse a possibilidade de ficar com vergonha, tu sorris-te na minha direcção. Não sei como consegui desfazer a minha cara de parvo e sorrir-te de volta, mas consegui.

E ficamos ali, eu montado na minha bicicleta bege com um pé no chão, a minha mochila preta surrada de tão velha nas costas e com os meus olhos vidrados em ti e no teu sorriso. Enquanto tu olhavas para mim com os teus olhos verdes e o teu sorriso simpático, sentada na marquise da tua janela, com o livro sobre as inúmeras galáxias e os cosmos complexos que eu nunca iria ter a capacidade de compreender, até alguém te chamar e tu quebrares a nossa troca de olhares para responderes a essa pessoa. Antes de te levantares e desapareceres por entre a tua casa onde a minha vista não alcançava, tu olhas-te para mim uma última vez e sorris-te para mim.

Depois disso, pedalei o mais rápido que um jovem de 17 anos com o coração aos pulos conseguia até a sapataria do meu pai. Passei o resto do dia aéreo e alheio a tudo ao meu redor com aquela cena colada aos meus pensamentos, mesmo depois dos meus batimentos cardíacos se estabilizarem.

Na sapataria fiz tudo o que o meu pai me mandou sem reclamar, mesmo quando uma das tarefas envolvia eu agraxar o sapato de um ricaço qualquer. E eu simplesmente odiava fazê-lo, o facto de ter de me agachar na frente de alguém como se me rebaixasse perante ele era nojento para mim.

Mas mesmo assim o fiz nesse dia e nem o sorriso presunçoso que o finório me dirigiu, me incomodou. Eu aturei de bom grado o olhar de superioridade e desprezo que ele me lançou e repeti sem o maior dos problemas quando ele insistiu que faltava graxa num lado sabendo que eu já la tinha passado, só para prolongar um pouco mais a minha humilhação.

Nessa tarde eu cozi, pintei, engraxei, colei, e poli mais sapatos que eu alguma vez tinha feito. Anotei encomendas e entreguei outras sempre com um sorriso no rosto. Não um sorriso forçado, mas sim verdadeiro e autêntico.

Desejei um bom dia a todos os que saiam e ajudei todos aqueles que consegui com um bom humor atípico.

Todos os dias daquela semana eu passei a ir pela tua rua na esperança que aquela troca de olhares se repetisse e para minha surpresa e felicidade, repetiu-se.

Em um desses dias mais tarde quando já ia na praça a meio do caminho para chegar a casa, tu e a tua mãe passaram por mim.

A tua mãe nem notou a minha presença mas tu sim. Olhas-te para mim e sorris-te o mesmo sorriso que me davas quando estavas sentada na tua janela. O ar faltou-me mas como sempre, em meio ao embaraço momentâneo eu consegui retribui-lo.

Mas desta vez foi um sorriso mais fechado, mais tímido afinal eu estava na tua presença pela primeira vez sem um vidro na minha frente e um andar a separar-nos.

Estavas na minha frente a sorrir-me, a conversa da tua mãe passou para segundo plano, e eu acanhei-me com a tua comparência.

Foi a primeira vez que eu notei que os teus olhos não eram totalmente verdes. Eles tinham pontinhos castanhos mel que ao longe nunca seriam notados. Eram como estrelas. Então fiquei fascinado com aquilo. Tu tinhas estrelas no teu olhar, o que podia ser mais bonito e ao mesmo tempo simples do que aquilo?!

Tinhas os olhos mais bonitos que eu já tinha visto e de certa forma combinava contigo teres estrelas ate nos olhos, afinal tu gostavas de tudo o que tinha a ver com isso, se não gostasses não lias um livro que tinha como tema física.

Depois disso corri em cima da minha bicicleta bege para casa com esse pensamento na minha mente. Os teus olhos conseguiam sugar-me como uma galáxia sem fim e prender a minha atenção como um céu estrelado numa noite quente de verão.

O resto daquela semana resumiu-se em passar pela tua rua e olhar-te na tua janela branca. Observar-te de longe, quando passavas do outro lado da rua com os teus pais. Quando ias à biblioteca no centro da vila que ficava do outro lado do centro, de frente à sapataria do meu pai.

Tu nem sempre reparavas que eu te estava a observar, como quando ias à biblioteca e eu praticamente colava a minha cara no vidro da vitrine.

Uma das vezes tu estavas sentada à sombra de uma árvore no centro, absorta à conversa que os teus pais estavam a ter mesmo ao teu lado. Dessa vez estavas com um livro diferente, era do mesmo tema, física, mas a capa era diferente o que indicava que o livro não era o mesmo, então supos que tinhas finalizado o outro e tinhas ido requisitar esse à biblioteca municipal.

As estrelas do teu olharOnde histórias criam vida. Descubra agora