Capítulo Dois

3.9K 370 119
                                    

CAPÍTULO DOIS

Tentando me concentrar na revisão da matéria, cujo teria uma prova no dia seguinte, sentia o vento frio de inverno soprar contra o meu rosto, esvoaçando meus cabelos acastanhados. A casa estava silenciosa, entretanto, meus pensamentos estavam agitados o suficiente para me desconcentrar de meus afazeres.

Por alguns segundos, encarei a vista da janela, recordando-me de Carmem. Já fazia alguns dias desde o episódio fatídico ocorrido entre nós. Por vezes, quando a encontrava nos arredores do condomínio, queria enterrar minha cabeça no chão ou entrar em um buraco e desparecer por aí, de tanta vergonha.

A mulher de alta estatura não saía da minha mente. Aquele olhar reprovador, porém penetrante me levava a ter pequenos pensamentos indecorosos com Carmem.

Sobre ela, pouca coisa eu sabia. No máximo que morava no andar de baixo, recém-divorciada, sem filhos e saia muito cedo para trabalhar. Com os outros vizinhos e, inclusive com meu primo, aparentava ser solícita e muito educada.

Meneei a cabeça para espantar tais divagações e tentei discorrer a leitura outra vez, porém uma melodia ecoou em alto tom, me fazendo dispersar do parágrafo várias vezes. Aquilo me deixou muito irritada.

Respirei fundo, ajeitei meus cabelos em um rabo de cavalo e fui até a cozinha tentar me acalmar. O relógio marcava quase onze da noite e eu não poderia dormir tão tarde.

Por fim, inspirei fundo, reunindo a coragem que estava se esvaindo ao pensar na possibilidade de procurar por Carmem, a fim de resolver aquela situação.

*.*.*

Desci o lance de escadas que levavam três andares abaixo, em direção ao apartamento da síndica, porém logo que cheguei ao corredor, era possível identificar que a música provinha dali. Meu coração palpitou naquele momento. Será que a Carmem estava me provocando?

Receosa, sentindo o coração disparando, eu permaneci ali durante alguns segundos.

Pensei em bancar a sonsa e reclamar do barulho ou simplesmente dar ás costas e ir embora fosse o mais plausível a se fazer, já que era nítido que a mulher me detestava.

No entanto, foi impossível não ouvir o meu lado emocional. Aquele que me conduziu até a porta de Carmem, me fez aprumar o corpo e tocar a campainha.

Assim que o barulho da campainha soou pelo interior da casa, o volume da música cessou, dando lugar para um silêncio colossal. Notei que minha respiração estava levemente descompassada e minhas pernas tremiam muito. Naquela fração de segundos, pensei em sair correndo dali, mas meu corpo não me obedeceu. Pensei que, talvez, uma dose de bebida alcoólica fosse bem vinda.

— Hm, então é você... — Carmem falou logo que a porta se abriu, me olhando com uma dose de escárnio, elevando as sobrancelhas. Um sorrisinho debochado foi contido no canto da boca dela. — Posso te ajudar em algo, querida?

Suspirei enquanto o meu rosto formigava, me sentindo uma idiota.

— E-eu... — forcei um sorriso. Silenciosa, a mulher me encarava. — Ah! É... Boa noite?!

Impaciente, Carmem suspirou. Notei que seus lábios estavam contornados por um batom vermelho, realçando a tonalidade da sua pele, além do elegante vestido tubinho preto, ajustando-se as curvas do seu corpo. Será que ela se preparava para um encontro?

Ao perceber que eu a observava, o semblante de condenação se desfez e ela repuxou o lábio, exibindo um sorriso misterioso.

— Boa noite, Camila. Você está com algum problema?

— Ah! — passei as mãos pelos cabelos, desfazendo o penteado. Os cabelos caíram sobre meus ombros e a franja encobriu parte do meu rosto. — É que... E-eu... tentando estudar, mas não estou conseguindo. Tinha alguém ouvindo uma música e... — me atrapalhava na fala, forçando um sorriso amarelo diversas vezes. —Isso estava me atrapalhando — fiz um breve silêncio. — Mas como já parou, acho que posso voltar — forcei um risinho, deveras desconcertada.

Ela recostou-se no batente da porta, cruzando os braços à frente do corpo, apresentando um sorriso devasso, como se estivesse se divertindo com a situação.

— Ora, ora... Parece que o jogo virou, né, garota?! — ela gargalhou e embora eu estivesse envergonhada, também ri. — A música parou, pois fui eu quem abaixou o som...

Porra! — dei um risinho anasalado, desviando o olhar. — Não sei nem onde enfio a minha cara!

— Que delícia saber que você está provando do próprio veneno — Carmem falou com certa ironia.

Um calafrio envolveu meu abdome e respirei fundo, passando as mãos pelos cabelos, em um gesto de nervosismo.

— Senhora Carmem... — disse em um sussurro tímido. — Quanto àquela noite eu... Eu realmente fui bem babaca!

Ela arqueou a sobrancelha outra vez e mordeu o lábio inferior.

— Sabe... — ela falou passando as mãos pelos cabelos dourados, ajeitando uma mecha atrás da orelha. — Eu poderia simplesmente deixar você se lascar, bater a porta na sua cara e voltar a ouvir a minha música. O que acha disso?

Juro que se eu pudesse me ver, naquele instante, meu rosto estava corado feito um tomate. Rezei brevemente para que um buraco no chão surgisse e me tragasse para um infinito.

— Ah — dei uma risada boba. — Ué... Se você fizer isso... Hã... Ficarei irritada, mas... — dei de ombros. — Fazer o que, não é?!

Ela deu mais uma gargalhada.

— Qual é a sua idade, Camila?

— Tenho dezoito anos — respondi. — E você?

O sorriso misterioso, levemente sedutor, assumiu os lábios da síndica. Observei que seus cabelos, em corte Chanel, estavam bem aprumados naquela noite.

— Amada, não há nada de interessante sobre mim que você queira saber — deu uma gargalhada. — Sou uma quarentona divorciada, que levou um bolo em um encontro hoje — disse em um tom bem humorado. — Acho que isso explica a sua curiosidade de eu estar tão arrumada, já que não parou de me olhar, né?

— Vo-você tinha um encontro?

estava afogando minhas mágoas na música e... — ela olhou por cima dos ombros, para o interior da casa. — Tomando um vinho.

— Ah, foi mal... — falei pesarosa, encolhendo os ombros.

— Quando você chegou, já estava desligando a música. Pode voltar a estudar tranquila.

Olhei para o meu celular. Já beiravam meia noite.

— Hm... — suspirei, libertando a tensão que percorria meu corpo. — Já está tarde e... Acho que não dá mais tempo para revisar alguma coisa. Então... Sei lá... — notei o quanto me esforçava para deixar meu tom de voz firme. Carmem me olhava curiosa. — Se quiser, podemos continuar conversando mais um pouco. Até porque gostaria de tirar a imagem estúpida que a senhora tem de mim.

A síndica tornou a rir.

— Não me chame de senhora. Me chame de Carmem ou Carminha... — arqueei as sobrancelhas e retribui seu gesto, sorrindo também. — Pode entrar.

*.*.*

Moça do Condomínio (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora