Prólogo

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Há seis meses, eu estava morto. Meu coração não batia dentro do meu peito. Eu não respirava. Tudo estava acabado, e eu estava morto.

Não é fácil pensar sobre isso, pensar sobre não existir – não importa o quanto eu tenha me esforçado para ser esquecido durante todos aqueles anos. Então escolhi simplesmente não pensar sobre isso.

Meu terapeuta me pediu para escrever meus pensamentos e sentimentos neste diário. Depois de meses evitando a tarefa, percebi que deveria tentar de uma vez – quem sabe assim eu conseguisse, por fim, dormir um pouco. Duvido, mas estou tentando fazer de tudo para conseguir.

Na verdade, não me lembro bem do que aconteceu naquela noite. Tenho alguns vislumbres e momentos de pânico nos meus pesadelos, mas os detalhes escapam de mim. E não estou tentando montar o quebra-cabeça.

Acordei em uma cama de hospital, mal conseguia falar, e tinha hematomas escuros no pescoço. Havia faixas em volta dos meus pulsos para proteger a pele, em carne viva. Uma tipoia apoiava meu ombro deslocado, e o gesso cobria meu tornozelo depois de uma cirurgia reconstrutiva. Eu não sei o que aconteceu comigo para terminar desta maneira. A única coisa que me interessa agora é o fato de eu estar respirando.

Os policiais fizeram perguntas. Os médicos fizeram perguntas. Os advogados fizeram perguntas. Sempre que eles começavam a falar sobre os detalhes eu os interrompia ou deixava a sala. Harry e Niall também prometeram me poupar dos detalhes. Eles não estavam lá naquela noite, mas eles estavam na corte durante todo o tempo que durou o julgamento.

Angelina...

Até mesmo escrever o nome dela é difícil. Ela se declarou culpada. Eu não precisei olhar para ela. Eu não precisei testemunhar. Eu não precisei ouvir as declarações das testemunhas. Niall e Harry foram convocados e eu não consegui assistir ao testemunho deles também, apesar de meus advogados terem solicitado minha presença.

E Phillip... pelo que ouvi, ele estava lá naquela noite. Foi ele quem chamou a ambulância. Ele não foi acusado. Implorei para que não fizessem isso. Emma e Josh precisavam do pai. E agora... agora eu nem sei onde eles estão. Espero que eles se lembrem o quanto... desculpe. Eu não consigo. Dói demais pensar neles.

Niall e Harry quase não saíram do meu lado desde aquela noite. Tentei lhes convencer de que estou bem, mas basta que olhem para as minhas olheiras para saberem que não estou. Na verdade, não quero ficar sozinho.

Houve alguma cobertura da imprensa, mas foi um julgamento fechado, e os registros estão lacrados porque sou menor de idade (tenho certeza de que o pai de Niall tem alguma coisa a ver com isso também) – e por isso não havia muita informação para os jornais divulgarem.

A cidade ficou em polvorosa com a notícia sobre a tentativa de assassinato, e é possível imaginar como foi minha volta à escola, ou o que acontecia quando eu era vista em qualquer lugar em Weslyn. Sussurros. Pessoas me apontando. Olhos me seguindo por todos os lugares. Tornei-me uma celebridade mórbida – o garoto que sobreviveu.

Até mesmo os professores me tratam de maneira diferente, como se estivessem esperando que eu desabasse a qualquer momento. O pequeno grupo que me confrontou naquele dia está especialmente cauteloso. Tudo aconteceu por causa de sua intervenção. Eles ligaram para as autoridades antes de falar comigo, e então ligaram para Phillip quando saí da escola.

Angelina deve ter descoberto sobre a ligação para Phillip, ou então alguma autoridade deve ter ligado para ela a fim de checar as acusações. De qualquer maneira, ela queria desesperadamente que eu desaparecesse – para sempre. Mas não importa o que a levou a fazer isso. Agora ela não pode mais me machucar.

Mas ainda machuca. Não vou negar. Principalmente porque ninguém nunca vai ler este diário. Meu tornozelo provavelmente nunca mais será o mesmo, e será uma lembrança constante do que passei. Lutei para me recuperar, e apesar de os primeiros prognósticos não serem animadores, voltei ao campo de futebol quatro meses depois. No início eu chorava no chuveiro depois de cada treino e de cada jogo. A dor era insuportável. Mas hoje eu mal a percebo.

Nada mais parece ser como era antes. Nada mais me faz sentir como antes. Não sei como explicar isso para Niall e Harry. Não sei se eles entenderiam. Nem eu mesma tenho certeza de que entendo. Ela queria que eu morresse. Fico dizendo a mim mesma que ela foi embora. Ela está na cadeia, e, pelo que ouvi dizer, ficará lá para sempre. Mas não me sinto seguro. Principalmente quando fecho meus olhos toda noite e ela está lá, esperando por mim.

Preciso sair de Weslyn. Preciso ficar longe dos olhares. Preciso ficar longe das sombras que continuam a me aterrorizar. Preciso ficar longe da dor que me paralisa quando menos espero. Mais seis meses e então tudo terá acabado. Vou recomeçar, com as duas pessoas que eu mais amo no mundo.

Então, de novo, percebo que minha vida é tudo menos previsível, e muita coisa pode acontecer em seis meses.

HIATUS quase sem respirar - l.s versionOnde histórias criam vida. Descubra agora