Dezessete velas

7 1 0
                                    

Estou com frio, com medo e cansada. Não sei quanto tempo estou andando, mas pelo estado dos meus pés, acho que bastante. Estou perdida e quando olho ao meu redor só vejo árvores e muita neve. O único som é da minha respiração ofegante, já não controlo meus passos, só quero sair dessa tortura. Um barulho me chama a atenção, e quando olho para o local de onde veio, fico paralisada.

Um homem alto, todo de preto, e com uma faca na mão encontrava-se a poucos metros de mim, não consegui ver seu rosto, já estava correndo o mais rápido que podia - o que não era muito, pois minhas pernas estavam dormentes. A adrenalina começou a se espalhar pelas minhas veias e a dor que estava sentindo já não importava mais, só me concentrei em correr.

Quando olhei para trás em meio à corrida tropecei em um tronco solto e cai com tudo na neve fofa. Minha visão ficou embaçada e conseguia sentir o martelar do meu coração nos meus ouvidos. Tudo piorou quando percebi que o homem já estava bem próximo novamente, me levantei cambaleando e continuei minha corrida para sobreviver.

Minha cabeça estava latejando de dor, mas não parei. Não podia parar enquanto minha vida estava por um fio. Quando minhas pernas já protestavam e ousavam falhar avistei uma cabana velha. Usando minhas últimas energias tento chegar até ela, porém quando consegui ver a varanda com mais nitidez, congelei. Uma mulher de cabelos brancos estava sentada em uma cadeira de balanço olhando para mim. Ela se levanta e faz um sinal para que me aproxime. Dando passos hesitantes chego mais perto. Apontando para mim ela diz "Eu escolho você" e desaparece.

Fiquei tão atordoada olhando para onde ela estava que esqueci totalmente que alguém estava me seguindo, quando me viro, já é tarde demais. Antes que eu consiga correr, o maluco me atinge no coração com toda força.

Acordo assustada por causa do pesadelo. Meu coração bate tão freneticamente que parece que vai sair pela minha boca. Sento na cama e tento acalmá-lo. O único pensamento que me concentro é que foi só um sonho. Um maldito sonho. Respiro fundo, e quando já estou um pouco melhor, as cenas do meu filme de terror vem a tona. Caramba, que sonho foi esse? Infelizmente eu já estou bem familiarizada com esse tipo de sonho. Não me recordo exatamente quando eles começaram, mas tenho várias memórias diferentes ao longo dos anos. Desde o primeiro sempre acordo dessa maneira. Odeio pesadelos. Acho que nunca vou me acostumar com eles. O motivo pelo qual meu cérebro não para de me fazer sofrer, eu não sei, mas ele bem que podia parar com isso. Por mais que eu ame ter esses sonhos, eles demoram para vir, geralmente aparecem no meu aniversário. Nos outros dias sonho normalmente, e meu subconsciente cria uma produção digna de oscar, devo admitir. Tenho aqueles sonhos que não fazem o menor sentido, e quando acordo dificilmente me recordo de metade deles, e os benditos pesadelos, que por mais que eu tente esquecê-los, não consigo. Eles ficam me atormentando. Depois de várias experiências notei uma semelhança. Sempre aparece uma mulher muito bonita, toda de branco, dizendo a mesma frase – "Eu escolho você". Ah, e eu sempre morro no final.

Uma batida na porta me tira do meu devaneio, e antes que eu possa responder, minha mãe e minha irmã entram no quarto. A primeira está segurando um bolo delicioso de chocolate com muita cobertura, do jeito que eu gosto. Já consigo até sentir o gosto na boca. Uma delicada vela com o número dezessete estava no topo do bolo, e como minha mãe sabe que amo flores, não esqueceu de colocar algumas ao redor. Já minha irmã está segurando uma caixinha de presente com um papel de estampa florida. Elas caminham lentamente até a minha direção e começam a cantar.

– Parabéns pra você... – minha mãe começa.

Fico tão emocionada que meus olhos começam a lacrimejar. Quando ela termina, coloca o bolo sobre minha escrivaninha e me envolve em um abraço apertado. Em seguida, minha irmã pula em cima de mim, fazendo o mesmo.

– Parabéns Lisie, te amo. – ela sussurra no meu ouvido.

– Obrigada mãe. Te amo. – respondo, com a voz embargada por causa do choro – E você também, minha pequena. – Digo, apertando as bochechas da minha irmã. Ela me abraça novamente.

– Também te amo, minha bonequinha. – Mesmo que eu esteja completando dezessete anos, sei que nunca vai parar de me chamar assim – Compramos um presente para você, espero que goste. – diz, me entregando a caixinha.

– Claro que vou gostar. – respondo, abrindo com cuidado. Quando abro o presente, me deparo com um lindo colar e um pingente em formato de floco de neve.Várias pedrinhas de cristais estão incrustadas, dando um charme e brilho ao colar. Simplesmente maravilhoso. – Muito lindo! Muito obrigada! – exclamei com entusiasmo.

Depois que minha mãe se separou do meu pai, eu tinha quatro anos na época, sei o quanto ela se esforça para que não seja tão difícil para nós. Esses pequenos gestos significam demais para mim. Elas são tudo que eu tenho.

– Que bom que gostou! Agora vamos fazer alguma coisa para comer. Vamos deixar sua irmã um pouco sozinha, filha. – minha mãe diz, saindo com a minha irmã.

Assim que as meninas descem para preparar o café da manhã, vou tomar um banho. E tentar fingir que não tive um sonho ruim. Entro na banheira e ligo o chuveiro na temperatura mais quente. Hoje está fazendo bastante frio em Copenhague, o que é bem comum pela manhã. Isso não me incomoda, amo frio, mas também adoro um banho quente. Eu nasci e cresci nesta cidade. Moro com minha mãe e minha irmã, perto do centro. Meu pai, depois que se separou da minha mãe, casou-se com outra mulher quando eu tinha seis anos, e mudou-se para Hamburgo, na Alemanha. Teve mais dois filhos, um menino de onze anos, chamado Matthew, e Jane de nove anos. Eu costumava passar todas as férias por lá, mas parei quando completei quatorze. Não sei o motivo exato. Só cansei.

Já minha mãe teve a Karen, que tem sete anos agora. Ela foi fruto de um relacionamento de quatro anos, porém minha mãe não se casou novamente. Saio da banheira, ainda sentindo meu corpo aquecido por causa do banho. Me envolvo com uma toalha e escolho uma roupa confortável. Paro na minha mesa e pego meu colar. Foi uma boa escolha de pingente, adoro neve. Coloco no pescoço e vou me olhar no espelho. Fica perfeito. Não é extravagante, é lindo e delicado. Aproveito para pentear meus cabelos, e enquanto faço isso, me vêm várias lembranças dos meus últimos anos. Dezessete anos. São muitos anos, mas é como se fossem poucos. Tenho a sensação de não ter vivido nada e ao mesmo tempo ter vivenciado muita coisa. Tudo que aconteceu me faz ser quem eu sou hoje, porém tudo que acontecer vai me transformar ainda mais no futuro. Penso muito no futuro. Não sei muito bem como vai ser.

A insegurança me invade, e quando desço as escadas para tomar o café da manhã, uma pergunta toma conta dos meus pensamentos. Eu sei quem eu sou? Assim que chego na cozinha tento não transparecer, sem sucesso, a expressão de dúvida em meu rosto.

– Está tudo bem filha? – indaga, assumindo um tom preocupado na voz.

– Estou sim – digo, exibindo uma postura mais animada. Não faz sentido preocupar minha mãe sobre isso. Costumo ficar muito pensativa no meu aniversário – O que vocês estão aprontando?

– Já vou tirar do forno. – logo em seguida, minha mãe retira, com a ajuda de uma luva de proteção, uma fornada dos meus pães favoritos, e coloca sobre a bancada. Eu amo comer com geleia de framboesa.

– Assim eu vou ficar mal acostumada. – falo, me aproximando para sentir o cheiro delicioso.

– É bom não ficar, pois só vai durar até meia noite. – rebate, com um sorrisinho malicioso no rosto.

Assim que termino de comer, subo para meu quarto e vou tentar ler alguma coisa. O restante do dia passou voando. No almoço fomos para casa da minha vó, e quando a noite chegou, teve uma surpresinha dos meus amigos. Já que não sou chegada a grandes comemorações, aquela pequena reunião foi incrível para mim. Depois que tudo terminou, estava bem cansada, por isso só tomei um banho e fui direto para cama. Meu sonho foi algo parecido com, eu tentando fugir de um homem e morrendo no final. 

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jun 25, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

ElementosOnde histórias criam vida. Descubra agora