Capítulo II

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                              Flashback parte 1

   Encontro-me sentada na bancada segurando uma xícara de café quente nas mãos enquanto observo, com os olhos ainda sonolentos, os primeiros raios de sol surgirem sobre o horizonte rompendo as sombras que cobrem a campina. Sinto a brisa suave que perpassara entre as janelas tocar em minha pele  me remetendo um sentimento de nostalgia.

   Nos verões ao romper do dia deitávamos na relva verde enquanto o sol passava vagaroso sobre nossas cabeças deixando que a escuridão aos poucos se preenchesse a nossa volta, enquanto isso especulávamos sobre nossas vidas futuras.

   Nos outros dias passávamos o tempo nadando nos lagos lamacentos da propriedade antes que madalena desse conta de nossa ausência e depois fugíamos de seus gritos raivosos. Independe do que aprontássemos toda noite Madalena nos visitava em nosso quarto, nos dava beijos de boa noite e contava velhas histórias sobre crianças especiais, escolhidas pelos santos para proteger o mundo do mal que o ameaçava. Cal se divertia com os contos e seus olhos cintilavam de curiosidade e ansiavam por mais. Eu o invejava por isso, para mim as histórias eram apenas isso, histórias, eu as ouvia atenta na tentativa de sentir o mesmo que ele, mas só conseguia me impressionar com a criatividade de Madalena por conseguir inventar ou descobrir tais contos tão surreais. Certa vez antes de ir embora, a governanta se voltou para mim e disse:

  
- Um dia você entenderá minhas tolas histórias, mas espero que este dia ainda esteja muito distante minha querida.

Nós não podíamos comentar com nossos pais sobre as lendas, então as guardávamos em nossos sonhos todas as noites.

    Lembro de nos escondermos nos armários para espiar e de nos esgueirarmos pela cozinha para roubar os doces destinados as visitas.

Recordo-me de em uma dessas espiadas presenciarmos uma discussão entre nossos pais:

- isso é loucura, você está delirando, está cega por ela e não consegue enxergar o que enfrentaremos! - exclamou papai irritado

- Eu fiz uma promessa e não vou quebrá-la, não me importa se eles estão mortos - mamãe sussurrou em um soluço - não a chame dessa forma, ela é doce e gentil, você sabe disso melhor do que ninguém. É injusto com ela receber toda essa insignificância contando com a forma que  te admira.

  

   Um silêncio incômodo paira no ar por um tempo e Cal sussurra incrédulo no meu ouvido

- De quem será que eles estão falando?

- Eu não faço idéia. Será que é alguém de casa?

Nós nos entreolharmos curiosos e voltamos a ouvir a conversa

- Tudo bem, mas até quando? Até quando as coisas estarão bem dessa forma? Até quando ela conseguirá se manter e se conter? Uma hora não terá mais como seguir com isso Alys - ele faz uma pausa para limpar a garganta - Ninguém deveria ter aquela aparência, não na sua idade. Está pálida como um defunto e tão magra, quase nem come mais! E não me diga que você não percebeu o evidente cansando em seu rosto?! Por mais quanto tempo ela irá aguentar essa situação?

     Aquelas palavras me acertaram em cheio,   a algumas semanas Madalena apareceu preocupada comigo, pois, segundo ela , eu estava com uma aparência cansada demais. Seu temor era que estivesse me ocorrendo um grave caso de anemia.

Ouço um estalo parecido com um tapa e em seguida mamãe vocifera pra cima de papai

- não vou discutir isso com você. Esse assunto foi resolvido a tempos atrás e não importa o que aconteça eu não abrirei mão de nada. Você goste ou não!



-Ótimo, então nada será discutido. Como combinado os examinadores virão semana que vem para analisá-la. - ele responde convicto e seco

-Se vão analisá-la creio que as crianças também serão examinadas? - ela fala de forma irônica, estava tentando provocar papai. Relaxo por um momento ao perceber que não estavam falando de mim daquela forma, mas então outra questão passa a perturbar minha mente "quem iria nos examinar e nos examinar de que? Muitas pessoas estavam tendo anemia?"

  Meus pensamentos são abafados por passos pesados que em poucos segundos se distanciam de nós. Só então clareio minha mente e percebo que minhas mãos estão entrelaçadas com as de Cal. Enquanto estivéssemos juntos não havia nada com que se preocupar.

  Sinto meu peito apertar e meu coração falhar com as lembranças de Cal, por mais que o tempo tenha passado a falta que ele fazia era imensurável. Por tempos ele foi muito mais que apenas meu irmão, ele era minha outra metade. Sempre me senti uma estranha, nunca consegui me encaixar, quando pequena as outras crianças sempre me ignoravam.     Eu costumava passar longas noites chorando no escuro dos corredores frios e vazios de nossa casa me perguntando o que havia de errado comigo. Tentava entender como eu podia ser tão estranha, tão magra, pálida e cansada ao contrário de todos. Mas então quando cal estava por perto tudo mudava, os lugares escuros tornavam-se lugares para brincarmos e nos escondermos e de repente eu não estava mais com medo. Ele fora o único que entendeu e aceitou a confusão que eu era, nossa singularidade se completava. E éramos felizes, mas então teve aquele dia, aquele maldito dia em que tudo mudou e que se eu pudesse iria em seu lugar.

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Oii amores tudo bem?? Me perdoem por demorar tanto pra postar outro capítulo. Espero que estejam gostando!!❤️

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⏰ Última atualização: Apr 15, 2020 ⏰

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