O dia em que o vi.

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Mal acreditei quando finalmente os portões foram abertos e senti o vapor quente bater em meu rosto. Talvez meu cabelo fosse perder aquele cheirinho de maracujá do novo shampoo que eu comecei a usar e seria substituído pelo da fumaça que saía dos ônibus da movimentada Nova York, mas tudo bem, o importante era que finalmente sexta havia chegado, eu poderia cuidar disso quando chegasse em casa.
     Começo de provas durante o semestre era sempre a pior época do ano, todos — Incluindo eu — ficavam com os nervos à flor da pele e as matérias atrasadas pareciam esmurrar a consciência. Eu nunca fui uma aluna ruim, não tinha notas espetaculares mas tinha minhas matérias em dia, isso claro ao fato do meu grande privilégio de não precisar trabalhar e estudar ao mesmo tempo, ao contrário dos meus amigos.

   Minha mãe é uma escritora bem sucedida devido aos vários romances criminais que lançou e por isso vivemos uma vida tranquila, nossos únicos estresses acontecem quando ela traz diferentes caras durante os fins de semana e de repente eu acordo com uma cueca jogada no balcão da cozinha. Isso é mais comum do que se pode imaginar nessa casa.

   Meu pai é um fotógrafo conhecido de catálogos de revistas de moda e não mora conosco, mas sempre mantemos contato pela internet e sempre que ele pode me manda um presente que viu em algum país e o fez lembrar de mim, por essas e outras coisas eu tenho ele como um dos meus maiores amigos. Ele e minha mãe se conheceram quando ela, uma jovem adulta recém chegada na cidade decidiu arrumar um emprego temporário num café, esbarraram e.... vocês devem imaginar, os dois namoraram, uma coisa levou a outra e bom..... eu nasci. Os dois nunca chegam a casar pois um tempo depois meu pai descobriu que na verdade era gay — minha mãe sempre diz que já suspeitava — e acabaram virando amigos no fim, o que não era de todo mal.

Sinto meu celular vibrando e o pego.
1 mensagem de Laura.

"Ei Flora, eu e Ote estamos pensando em passar naquele restaurante de comida indiana perto da sua casa mais tarde, umas nove, quer vir com a gente?"

"Claro, só me esperem para fazerem os pedidos, vocês sempre pedem o mesmo prato!"

"Já que é você que vai comer mesmo.... Ote avisou que se você demorar muito ele vai pedir qualquer coisa pra você"

Soltei um ar pelo nariz com a mensagem e o joguei de qualquer jeito na cama quando cheguei em casa.

Me olhei no espelho enquanto amarrava o cabelo e começava a tirar a roupa. Eu não era das mais altas, nem das mais magras, mas eu gostava da minha aparência. Quando tinha tempo fazia alguns exercícios num parque há três quarteirões daqui, tentava ter uma rotina de skin care em dia (a qual quase sempre esquecia), e buscava só não me encher de besteiras o tempo inteiro.
   Meu cabelo que sempre estava mudando no momento se encontrava na cor natural de preto e meio frisado, mas eu gostava dele assim. Minhas unhas estavam pintadas de diferentes cores em tons pastéis, em cada dedo uma cor diferente. Eu usava uma calça jeans cintura alta e uma blusa com estampa de camêlo que meu pai havia me dado. Meus tênis eram all stars azul pastel. Eu amava essa roupa.

   Comecei a titubear sobre minha vida nos últimos tempos, eu me sentia.... vazia, bem, acho que vazia não é a melhor forma de dizer, mas sentia que a monotonia e a rotina dos últimos anos estavam me consumindo. Faltava uma emoção, uma paixão avassaladora, uma tatuagem feita de forma inconsequente que me fizesse contar dessa experiência para os meus futuros filhos, uma festa tão memorável ao ponto de que eu bebesse tanto que acordaria no telhado do vizinho sem meu sutiã e com uma franja cortada, algo a qual eu pudesse me entreter além da faculdade e meus amigos, essas coisas dos livros que minha mãe escreve, mesmo que eu não acreditasse muito nisso. Acho que na verdade eu precisava mesmo era transar.... fazia tanto tempo..... soltei um gemido mentalmente só de lembrar.

Singular - Kwon JiyongOnde histórias criam vida. Descubra agora