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~Marduque~

O termômetro marcava quarenta graus celsius na cidade de Salvador. A tarde estava fatalmente quente como naqueles dias em que você toma banho frio e deita no chão na frente do ventilador.

Eu não me incomodava muito com o calor, mas sentado aqui em uma estação de metrô, era impossível conter o suor escorrendo pelo meu rosto. Para melhorar ou não, a prefeitura tinha organizado um jogo clássico entre Bahia e Vitória no Estádio Roberto Santos, o famoso Pituaçu.

A estação de metrô do Pituaçu funcionando fora do comum. Toda vez que um vagão chegava, uma enorme quantidade de torcedores saíam bravejando os hinos de seus times. Eu era tricolor então meu pai fazia questão de me ensinar todas as músicas do Bahia.

Quando a torcida rubro negra saía dos vagões eu me encolhia no assento. As pessoas acreditam que a rivalidade entre as torcidas é uma maneira de incentivar o time, mas todos sabem que quando passa dos limites torna-se violência e vandalismo.

Eu sabia bem o que era sentir a violência de perto desde que comecei a namorar com o Arthur. Ele era meu porto seguro então eu poderia ser eu mesmo. Arthur me deu coragem para eu sair do armário, mas eu não estava preparado paro o tsunami que é assumir uma identidade sexual.

Os problemas surgiram em uma enxurrada. Teve a vez em que eu e o Arthur fomos expulsos do cinema porquê estávamos se beijando, ou quando um homem me acertou em cheio na cabeça com uma garrafa de cerveja por que eu estava de unhas pintadas dentro do bar, que diga-se de passagem estavam lindas. Mas o pior de tudo era ter que lidar com a rejeição da minha mãe. Meu pai era meu herói e me deu todo apoio possível e eu amava isso nele.

Embora a violência seja presente, esses acontecimentos já eram passado. Arthur era passado.

— Senhores passageiros. — Disse uma voz feminina nos alto falantes. — Não ultrapassem a faixa amarela.

Mais um vagão chegava na estação de Pituaçu e com ele mais torcedores. A cidade toda estava ansiosa e sempre era assim em dia de BaVi. Tinham aqueles que não podiam pagar os ingressos, mas assistiriam na televisão. Tinham aqueles que pegavam suas caixas de isopor e saíam para vender cerveja na porta do estádio e sem falar naqueles que estendiam um varal de camisas do time para vender. Um jogo nunca era só um jogo. Tinha muita coisa envolvida.

Pesco o celular do bolso e abro a mensagem de minha amiga Babel

{Encontro você aí em uma hora e meia}

Eu sabia que ela iria demorar então eu já estava preparado. Abro o celular no wattpad e clico na história que eu estava lendo. Tratava-se de uma menina ambiciosa que abandonou a cidade pequena e foi para a cidade grande fazer faculdade e acaba usando um aplicativo de encontros com um sugar daddy.

Logo perco interesse na história e começo a analisar as pessoas do metrô. Era notável como a maioria tinha pressa ou era impaciente demais para esperar o vagão do trem. Tantas pessoas e tantas histórias. O que cada uma daquelas pessoas me diria se eu perguntasse suas histórias?

O relógio da estação marcava três horas da tarde em ponto. Meu pai uma vez me disse que existia um mito mesopotâmico que dizia que as três horas em ponto você conheceria seu amor verdadeiro se desejasse isso com vontade. É claro que eu não acreditava nisso, mas enquanto encaro o relógio não deixo de pensar em Arthur. Lembro de como o cabelo dele era macio e de como a boca dele era quente percorrendo cada parte do meu corpo.

Não tenho tempo de fazer o pedido porquê um som
estrondoso cortou o ar.

BOOM

Imediatamente achei que algum vagão bateu, mas logo percebo que o som vinha de uma mala que tinha caído com tudo no chão do outro lado da área de embarque. O dono da mala ao tentar erguê-la quase cai com tudo no chão. O garoto franzino empurrava com dificuldade a mala até o assento
mais próximo. Ele vestia uma camisa do Vitória e bagunçava freneticamente o cabelo castanho.

Analiso ele. Eu gostava de fazer aquilo.

O cabelo castanho caía em cachos sobre as orelhas. Os olhos eram de um dourado intenso. A pele morena como cacau. Ele fazia meu tipo não vou negar. Talvez eu devesse dá um tchauzinho para ele me notar, mas eu não poderia me arriscar se ele é gay ou não, então fico na minha analisando cada detalhe dele.

Mas aí aconteceu. Ele me notou. Nossos olhares se
cruzaram e juro por Deus que ficamos mais ou menos cinco minutos se olhando até eu desviar.

— Senhores passageiros. — Dizia a voz feminina. — Não ultrapassem a faixa amarela.

Tenho coragem de olhar para ele novamente, mas um vagão chega separando ele da minha vista. Penso em sorrir para ele ou dá de ombros como alguém que diz: e aí?

Mas quando o vagão sai, eu não mais o vejo. O universo me dando um banho de água fria.

Ele sumiu.

Dois Amigos Em Um Dia PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora