Sanguinários

uma segunda face

As direções nas quais seguimos mudam drasticamente nossas vidas e seus planos, principalmente quando você tem dificuldade em diferenciar direita e esquerda.

JHONNY

Acredito que o sofrimento da alma é dividido e  demonstrado por diversos aspectos: fúria, obsessão, submissão, tristeza, aceitação, negação, autodestruição ou até mesmo a mistura nociva de todos eles. Alguns dizem que só obtemos esses sentimentos corrosivos  porque permitimos, eu discordo. Não os adquirimos estão enraizados em nossa  essência, não somos pessoas felizes, lutamos para não cairmos na tristeza  profunda, ou cedermos ao lado obscuro que existe em cada um de nós.  Uma perfeita balança do bem e do mal que pende segundo as circunstâncias. Nem inteiramente bom ou mal, a mercê da situação.

É comum acostumarmos com algo que inicialmente repudiávamos e após uma rotina árdua, sentirmos falta quando nos é tirado. Eu não sentia  falta de acordar de madrugada para levar socos e pancadas ou para entrar em uma banheira de água a dezesseis graus célsius negativos. Sentia falta de ter um motivo para levantar.

Nunca havia parado para pensar no que eu realmente queria, até perder o que tinha. Disse a mim mesmo que não era tão ruim quanto parecia. Mas, o fato de viver um dia após o outro de forma contínua não é tão agradável. As vezes precisamos viver um dia de cada vez, para  chegar até O GRANDE DIA, e não estou falando da morte. Estou falando de alcançar um objetivo, de realizar um sonho, de ansiar por algo e estremecer de alegria quando ele finalmente se torna real. De ter uma vida e responder por ela, desejos próprios, metas próprias.  Cheguei a me perguntar quando foi que eu havia passado de sujeito para objeto; uma peça de xadrez, manipulada e coordenada. E me assustei ao refletir que se uma jogada desse errado, eu poderia ser uma peça  sacrificada.

O internato talvez tivesse sido um conjunto de peças que se sacrificaram por nós, ou foram sacrificadas.

No dia do pronunciamento oficial, onde   esclareceram o  que acontecera e declararam nitidamente que estávamos sendo atacados, pensei que ficarímos todos juntos. Mas não há  como lutar sem saber com o que realmente está lidando. "Conheça seu inimigo". Sempre foi um princípio óbvio.  Não há como se defender de um adversário invisível se ele não faz barulho ou solta cheiro, não há como atacar até que um balde de tinta caia sobre ele.

Se não nos separássemos seria o mesmo que assinar um suicídio coletivo.

Walter estava sendo responsável para indentificar como, porquê, e quem tinha feito aquilo. Eu só não entendia porque sua protegida não havia ficado com ele, já que, segundo o burburinho nos dormitórios eram como unha e carne. Silenciosamente eu nutria certa inveja dela, Walter como  o braço direito do nosso Patriarca que nunca víamos, podia intrometer e mudar tudo o quisesse. E ele se intrometeu na minha formação. Foi ele quem me deu a minha primeira vodca. Me empurrou de um avião quando eu nem sabia o que significava para-quedas, me fez ter a primeira ressaca e me obrigou a terminar com a minha primeira paixonite. Me comprou um picolé, meu deu um tiro e me colocou para dormir.

Era desproporcional o que sua idade te levava a ganhar. Ele deu leves interferências  na minha educação e treimanamento, mas cuidou quase integralmente da preparação e integração dela nos ASSASSINOS. Aos meus olhos ela tirara  a sorte grande.  O nome da pessoa que adquirira minha profunda inveja permaneceu anônimo por muitos anos, até que o próprio Walter me revelou; Ever.

Pela primeira vez na minha existência  medíocre eu iria viver um pouco a vida.  Viver a vida adoiado. Se...  Não fosse o Walter que viesse me pedir um favor. Ele era a única pessoa que eu tinha como referência do que seria ter uma família.  E quando se  sabe o que é não ter uma, e consegue alguém que ao menos chegue perto disso, não se pode negar um favor a ela.