A biblioteca nos esgotos.

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Logo após a porta fechar, Nicholas desaparece, como em um truque de mágica. Surpreso, olho em volta procurando ele pelo quarto. Sim, aquele velho estranho havia sumido. Talvez nunca tenha ao menos existido? Teria sido apenas fruto da minha imaginação, ou um sonho ruim?

Sinto alguma coisa tocar meu ombro, mas quando me viro não vejo nada. De repente, a janela a minha esquerda se abre, fazendo um barulho alto. Viro minha cabeça na direção do som e fico boquiaberto, lá estava o velho, olhando para o céu estrelado. Ele vira para mim sorrindo, e diz:

- Sou o que chamam de "monstro", uma criatura com sangue vampírico. O que possuo é um milagre, mas também uma terrível maldição. Se aceitar minha ajuda, deverá se submeter a transformação, e sua vida será uma dor interminável, destinado a miséria. Se recusar, irá acordar sem nunca se lembrar desta conversa.

Graças a luz da lua consigo ver claramente, suas mãos são finas, com unhas longas parecendo lâminas, seu sorriso maquiavélico com dentes pontudos, e seu olhar amedrontador, como se estivesse olhando para minha alma. Como ele mudou tanto, e ao mesmo tempo continuou sendo o mesmo? Me pego suando frio.

- Não ligo para como são os vampiros, farei o que for possível para pegar Jack, a dor não importa - respondo a ele.

- Decisão magnífica! - diz Nicholas - Venha comigo, e terá o que deseja.

- Mas eu ainda não tive alta.

- Não se preocupe com detalhes, tenho certeza que não terá ninguém contrariando sua saída.

O velho novamente desaparece em um piscar de olhos, e a porta do quarto se abre. Vejo que no lado da cama agora tinha uma cadeira de rodas. Me levanto com dificuldade e sento na cadeira, ajustando ela. Saio do quarto e olho em volta, não havia ninguém nos corredores. Me movimento lentamente até a saída, ouvindo a madeira do chão ranger, aqui já foi um orfanato a bastante tempo, provavelmente melhor que o de onde eu vim.

Chegando no lado de fora, vejo Nicholas ao celular falando com alguém. Minutos depois, um carro caro para na nossa frente, e nós entramos nele, abandonando a cadeira de rodas e o hospital. O motorista parece ser um homem normal, e nos leva até a entrada dos esgotos.

- Afinal, por que estamos aqui? - pergunto a Nicholas.

Ele apenas me ignora, saindo do carro, ordenando ao motorista tomar cuidado para não deixar ninguém se aproximar. Depois disso, o velho me entrega sua bengala para eu me equilibrar. A bengala é marrom, com uma cabeça de rato na ponta, bem exótica.

Me levanto e vou andando aos pulos atrás de Nicholas. Ele então para na frente de uma parede de tijolos, e com força empurra ela. Todos os tijolos se movem, mostrando uma passagem secreta. Dentro da passagem, dava para um corredor que levava a uma escada circular que descia. Depois que entramos, a passagem se fechou sozinha. Não tinha mais volta.

Andando pelo corredor apertado, sentia um mau cheiro que quase me fez vomitar, mas dizia o velho que estávamos perto. Depois de caminhar e descer algumas vezes por um tempo, chegamos a uma grande biblioteca, com vários corredores conectando a outras salas. Esse tipo de lugar não devia pertencer a um esgoto.

Nicholas se senta em uma grande mesa, mexendo nas gavetas até encontrar uma faca.

- Aqui deve ser seguro o suficiente para você - diz Nicholas apontando para a cadeira do outro lado da mesa.

- Podemos começar isso logo? - digo a ele.

- Me estenda sua mão.

Eu dou minha mão para Nicholas, e então ele morde meu pulso, causando muita dor. Penso em dizer algo, mas começo a ficar com a visão turva, conseguia sentir meu sangue sendo drenado.

- Pronto, me admira não ter desmaiado ainda - terminando, ele pega a faca e corta o próprio pulso. - Vamos, beba.

Nicholas coloca seu pulso na minha boca, me obrigando a beber aquilo. O sabor no começo era terrível, mas depois começou a ser cada vez mais agradável. Ele tira seu braço de mim, dizendo:

- Agora, filho da noite, torne-se meu servo!

Começo a sentir alguma coisa queimando minha pele, a dor é tamanha que nem consigo me segurar e começo a gritar, me levanto e saio correndo pelos corredores. Não consigo me lembrar o que aconteceu depois disso.

Os pingos de chuva caem sobre meu rosto, fazendo recobrar meus sentidos. Estou deitado no grama, tem apenas árvores ao meu redor. Minhas faixas estão cobertas de sangue. Me sento e mexo minhas pernas. Não sinto dor alguma. Ainda estou sem parte de minha perna, mas agora está perfeitamente cicatrizado.

Estava de noite ainda, mas não devia demorar pra amanhecer. Me levanto, apoiado nas árvores, mas sinto algo estranho, como se estivesse faltando alguma coisa. Coloco minha mão no peito e não sinto nada. Silêncio, era terrível o sentimento. Meu coração não batia mais.

A minha mão antes tão viva, estava pálida e fria, como a de um cadáver. Começo a me arrastar entre as árvores, até que vejo uma forte luz de um farol. Era um carro na estrada. Quando me aproximo, uma voz me chama:

- Senhor Edward, finalmente saciou sua fome? - a voz pertencia ao motorista - Tem roupas novas no carro caso as suas estiverem muito sujas. Irei levá-lo para sua casa.

Entendia perfeitamente o que ele quis dizer, o sangue não me pertencia. Chegando mais perto, pude ver que o motorista era o mesmo que me levara aos esgotos. Me seguro no carro e sento no banco de carona, sem olhar para ele, apenas encarando minhas mãos e pensando: "Como pude aceitar isso? Meu ódio por Jack vale mesmo a pena?".

- Sim, vale a pena - digo para mim mesmo -, agora será uma disputa de igual para igual.

A distopia de EdwardOnde histórias criam vida. Descubra agora