Prólogo

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O som do salto alto contra o piso gélido que cheirava a fortes produtos de limpeza ecoava por todo o corredor que apesar de largo ainda causava uma certa sensação de sufoco; as paredes eram em tons pastéis algumas começavam a descascar, revelavam um azul horroroso por baixo. No teto onde as lâmpadas fluorescentes brancas pareciam sabres de luz que hora ou outra piscavam como luzinhas de natal; podiam se ver as infiltrações e uma rachadura longa em formato de y, que ficava acima de um relógio preto redondo preso no meio do teto onde marcava 17: 45 da tarde. Haviam portas estreitas de ferro de cada lado, todas de coloração branca onde a ferrugem começava a corroe-las de baixo para cima; uma espécie de janela de acrílico reforçado em formato de retrato residia um pouco acima da tranca de aço; cada uma daquelas portas possuía mais ou menos dois metros de distancia da outra, todas automáticas apenas enfermeiros e médicos tinham o cartão/chave para abrir, mantendo assim a segurança daqueles que residiam dentro e fora de cada quarto.

Em seu lado esquerdo era escoltada por um médico um pouco mais alto que si, calado e com cara de pouquíssimos amigos que olhava para frente em ângulo reto, com as mãos dentro dos bolsos do jaleco comprido impecavelmente branco, onde o nome do hospital estava bordado em letra cursiva e redondinha na cor preta: Hospital Psiquiátrico da Misericórdia de Seattle. Se não estivesse a trabalho teria prestado mais atenção em como ele era atraente e forte, exalava um perfume peculiar que ela jamais havia sentido antes, bem diferente do guarda que estava em seu lado direito, aquele cheiro que ele exalava ela reconhecia e muito bem pois parecia ser um odor que estava cravado em sua alma. O cheiro de Whisky barato e cigarros misturados ao perfume de old spice, era típico de um homem recém abandonado pela mulher pois não conseguia se desfazer dos vícios que deterioraram seu casamento, com Julie ou Jane talvez? Não tinha certeza do nome que estava tatuado no pescoço moreno do homem que não era baixo como Danny DeVito e nem tão alto quanto o médico. Com seu  bigode preto feito carvão assim como os cabelos ondulados amassados, o segurança cujo o crachá preso na camisa turquesa em seu peito estufado, dizia que ele se chamava Doug Hernández; Doug mantinha uma arma de choque presa em seu cinto envolta da cintura larga, assim como um porrete de borracha tão duro quanto um taco de baseball e fino como um cabo de vassoura; ela tinha uma ligeira impressão de que aquele instrumento serviu(ainda deveria servir) para aliviar suas frustrações em alguns doentes ali, sempre acertando em locais estratégicos onde não precisaria se importar com hematomas caso o pessoal dos direitos civis viessem verificar, o que claro não acontecia regularmente como deveria e quando acontecia não era da maneira correta, levando em conta todas as coisas que já ouvira daqui duvidava(e muito) que alguém se importasse com aquelas pobres almas.

A mulher que carregava uma agenda de folhas amareladas e capa de couro preta, caminhava sem preocupação ou medo daquele ambiente cheio de risadas histéricas e gritaria, ouvira de uma enfermeira de olhos puxados e cabelos curtos que "os doentes sempre ficavam agitados em noite de lua cheia" ou algo parecido já que a mesma parecia ironizar cada simples pergunta que havia feito. Parecia que todos que ali trabalhavam tinham uma "alma amarga" como dissera sua avó uma vez quando o assunto era o porquê de haver tanta gente disposta em maltratar um semelhante, um ser vivo; o fato era que aquele hospital era semelhante a algumas das penitenciárias estaduais que já teve o desprazer de conhecer com seu ambiente escuro e amedrontador, repleto de angústia e insegurança vinda daqueles pobres doentes, cujo olhar mesmo perdido, vagando tão longe quanto a essência do que já foram um dia, pareciam querer contar algo, compartilhar um segredo que as pessoas vazias(de alma amarga) pareciam não ver ou querer escutar.

Inerte em seu próprio pensar não notou estar de frente com a última porta daquele imenso corredor, onde veria o último dos cinco pacientes selecionados para o realizar de seu afazer, naquela que havia sido a inesperada visita aquele hospital que quase nunca era escolhido para nada. A porta era como as outras exceto pelo retrato de acrílico, ele parecia não ter um arranhão sequer assim como a ferrugem, não havia nada, parecia tão impecável quanto o jaleco do doutor agora a sua frente que segurava em suas mãos grandes o que deveria ser o prontuário daquele paciente que ela ainda não podia ver. O guarda, Doug mantinha um olhar tarado sobre as pernas lisas e descobertas da mulher enquanto acariciava aquele bigode asqueroso, semelhante ao dos "irmãos Mario" enquanto a mesma ouvia atentamente as informações daquele que deveria ser o paciente mais recente dali.

— O seu último entrevistado, está conosco há apenas dois anos. Possui um histórico semelhante aos dos demais, costuma compartilhar suas frustrações, sozinho ou com "seu próprio demônio" como costuma chamar. As vezes ele tem alucinações visuais e auditivas, então não espante se ele sorrir ou acenar para o nada, pois na cabeça deles a nossa realidade é distorcida, onde deuses e monstros existem. — dizia o doutor encarando a prancheta que ela não fazia a mínima de como havia parado ali. Sob a franja castanha os olhos azuis de Hannah haviam se cravado naquela porta por um instante podendo observar a enorme janela que aquele quarto possuía, dava para ver o pôr do sol dali perfeitamente, era uma visão tão bonita a mais bonita que já presenciara durante sua tarde de visitas.

— A senhorita ouviu o que eu disse a respeito das alucinações visuais correto? — questionou ainda sem a encarar anotando uma coisa e outra.

— Sim, não vou me impressionar fácil. Qual a condição dele? — respondeu agora com total atenção ao médico. Que de forma alguma desgrudava o olhar daquele prontuário, a forma como ele descrevia a enfermidade de cada paciente parecia muito vaga, quase como se fosse tedioso exercer o que ele era pago para fazer. Aquele era o tipico de profissional(se que se pode chamar assim) que se importava apenas consigo mesmo, se sua aparência estivesse impecável o resto poderia ir para os diabos.

— Ele tem o que chamamos aqui de condição IV, ou esquizofrenia para soar mais profissional. No início ele apresentava uma posição agressiva que em alguns meses foi revertido com os devidos cuidados. Fique atenta, ele constantemente tenta uma manobra manipulativa, uma distorção que já fizeram muitos novatos como você caírem feito patos. Mas de qualquer forma o  senhor Hernández ficara aqui fora atento ao seu chamado, se por a caso o fizer.

— Me desculpe senhor, mas sou psicóloga há mais de seis anos e conheço muito bem pacientes portadores de esquizofrenia. Então por favor não diga que sou novata, se não sabe nada a respeito de meu histórico acadêmico ou profissional. — declarou com irritação em sua voz por ele não ser nem o primeiro ou último a questionar sobre sua postura profissional que já passara a anos de ser mera coisa de residente. Talvez fosse a juventude que herdara da falecida mãe que não deixava transparecer seus quase trinta e oito, com aqueles olhos azuis claros como giz de cera sobre o papel e a franja que, lhe cobria as sombrancelhas como uma cortina de fios castanhos lisos e sedosos.

Ao invés de dar continuidade a discussão, o doutor apenas fez suas últimas considerações, depositou em suas mãos a prancheta marrom com o prontuário de duas páginas presas no pregador de ferro e partiu sem um "boa sorte" ou "tenha uma boa entrevista", simplesmente partiu como se ela não fosse nada de importante, como fizera durante toda a tarde, quase como se sua presença ali parecesse atrapalhar o equilíbrio do lugar. O fato era que tirando alguns poucos pacientes todos os outros daquele lugar a tratavam com hostilidade e frieza, pareciam que tinham(uma alma amarga) alguém os controlando, quase como se fossem  marionetes, puxados por longas cordas por um alguém que deveria estar bem além de sua percepção.

Decidida, sacudiu os ombros e encarou a porta em seguida trocou um olhar com o asqueroso Hernández e por fim assentiu em positivo.

— Tudo bem. Castiel Novak, aqui vamos nós. — com isso Doug puxou o cartão de acesso cedido pelo doutor e passou no local determinado na tranca de aço. E então a porta se abriu.



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