Ana&Laura (O Perfume da Memória)

Agora vamos falar de Laura

Essa é Laura. Hoje é seu aniversário. Seu casamento acabou, o marido foi embora e ela está só. No fundo de uma gaveta na escrivaninha do escritório da sua casa, Laura guarda em segredo um caderno de versos que ela escreve para ninguém ler. Escreve porque está triste, escreve por alegria, o dia de hoje, a vida. Deus. Escreve.

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- Oi Luíza, sim eu não quis atender o telefone. Não, eu não tô nada bem. Sim, vocês são os melhores amigos do mundo! Não, eu não vou fazer nenhuma bobagem. Sim, eu tomei o Rivotril mas foram só cinco gostas! Não, eu não estou melhor. Sim, ele levou as coisas dele, inclusive o Bidu. Não, eu não tô sentindo falta de cachorro nenhum. E sim, eu vou passar o meu aniversário sozinha, sim.

- Calma, Laura... Eu entendo você. Claro que eu e Renato entendemos, eu só... Nós só estávamos preocupados.

- Eu sei. Agora fala que vocês não estão chateados comigo porque eu tô acabada e com remorso. E eu quero ficar só acabada

- É claro que sim minha amiga, por favor, só não faça nada que possa se arrepender depois

- Agora escuta bem...
Laura suspira.

- Fala

- Eu amo muito vocês.

- Nós também te amamos, Laura. Muito!

Laura desliga o celular e se senta no chão de frente para a mesinha no centro da sala. As horas parecem não passar e ela está completamente deprimida. Seus pensamentos voam de um lado para o outro trazendo uma grande confusão sobre si. As lágrimas escorrem por minutos e antes que ela pudesse levantar para pegar mais vinho, a sua campainha toca e ela surpresa, se levanta e abre a porta.

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- Laura?

- Sim, sou eu.

- Meu nome é Ana Pomplona, e eu sou amiga da Luíza.

- Ah... Você que é a Ana. Luíza fala muito de você

- Sim, e então você deve saber que eu não moro no Brasil

- Sim, eu sei

- Pois é Laura, eu tô voltando amanhã pra Inglaterra. Às sete da manhã. E eu precisava te encontrar hoje de qualquer maneira

- Me encontrar? Como assim?
Laura pergunta confusa.

- Sim, é que eu estava agora pouco com os seus amigos e durante três horas eles só falaram de você. Do quanto você é sensível, inteligente

- E do quanto eu quero ficar sozinha
Laura a interrompe.

- Desculpa...

- Olha, eu não quero ser indelicada com você, mas é que hoje eu realmente não tô bem. Manda um beijo pra Luiza, pro Renato, pra todo mundo

E antes que Laura fechasse a porta, é surpreendida com as próximas palavras de Ana.

- Vê se você conhece esse poema:

"E se acaso não crer em minha partida, comece a contar os dias de sempre da minha ausência."

- Espera, isso é meu. Quem foi que te mostrou? Foi a Luíza?

- Ah Laura, como eu poderia ir embora sem conhecer a pessoa que escreveu isso aqui: 

"Se você me olhar pela última vez, só verá meu sorriso com o jeito de adeus. Delicado e quieto no centro da sala."

- Foi a Luíza que te mostrou? Ela não tinha esse direito!
Laura fala alterada.

- Ah Laura, isso é lindo! É tudo o que eu queria ter dito. Eu posso entrar?

- Isso é outra fase da minha vida, não tem nada a ver comigo agora

- Tem a ver comigo! Isso é tudo o que eu queria ter dito Laura

- Olha... Se hoje não fosse hoje e se eu não estivesse do jeito que estou, eu ia adorar falar com você sobre poesia. Mas eu não tô bem Ana

E quando ela novamente faz menção de fechar a porta, recebe das mãos de Ana um buquê de flores.

- São pra você.
Ana a entrega com um sorriso no rosto.

- São lindas, obrigada.

- Dizem que nós carregamos flores dentro da alma. E que essas flores foram plantadas por nossos antepassados mais remotos num jardim de pedras. Depois Laura, eles colhiam essas flores em noite de lua, ferviam num chá e tomavam. Eles acreditavam que o humor, a paixão, o sorriso, a forma como a gente vê a vida, são um espelho desse jardim que se trás na alma.

- A sua história das flores é linda, Ana. Mas hoje, a minha alma parece mais um jardim de cactos...

- Os cactos são muito fortes... Mas a minha intuição feminina aposta em um jardim de Açucena.

- Por que?
Laura a olha intrigada.

- Porque ela representa a dor pela perca de um grande amor. Tô certa?

Laura a olha por uns segundos e depois de um longo suspiro, ela responde

- Sim, tá certa...

*****

Ninguém sabe até hoje como Ana conseguiu fazer com que Laura a deixasse entrar em sua casa. Talvez foi a força de um sentimento confuso, causado pela presença de uma estranha que declarava com intimidade os seus versos.

*****

Assim que Ana se sentou no sofá, a conversa das duas ainda tinham falas curtas e pausas silenciosas.

- A Luíza me falou que você era assim

- Assim como?

- Assim. Louca por arte. Cidadã do mundo.

As duas sorriem e a conversa ainda estava desconfortável, com longas pausas.

- Então você é casada?

- Sim. Ele se chama Bernar
Ana fala com seu sorriso contagiante.

- O que ele faz?

- Ele é embaixador do Brasil na Inglaterra

- Que chique.
Laura sorri de lado.

- O que você veio fazer aqui no Brasil?

- Vim visitar meus amigos
Ana responde com um sorriso largo no rosto.

- Nossos...
Laura a corrige com um sorriso.

- Sim, nossos.

- Como eu nunca te encontrei?
Laura pergunta intrigada enquanto se levanta para pegar vinho.

- Não imaginei tua casa assim
Ana questiona.

- Ah, na verdade é da minha mãe. Ela foi morar em São Paulo e eu acabei ficando com a casa

Laura fala entregando uma taça de vinho para Ana e se sentando no sofá.

- Ah, sim. E tá aqui há quanto tempo?

- Eu vim pra cá... Há três anos quando meu marido.... Quer dizer, ex marido se mudou pra cá.

- Entendi.
Ana sorri.

- E seu pai?

- Sumiu. Ele foi embora eu era muito pequena. Nunca quis procurar.

- Mas você nunca teve notícias dele?

- Eu soube que ele tava morando no interior.

Depois de cinco segundos de silêncio, Laura decide perguntar algo.

- Dói?

- Doeu.
Ana responde com firmeza e sequidão na voz.

E o diálogo até então entre cortado por longas pausas de desconforto, foi criando cor quando sem que combinassem e percebessem, começaram a sorrir das mesmas coisas. Desfazendo os laços e a desfazer-se dos sapatos. Seria uma noite longa para Laura e Ana.

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