Prólogo

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                                ◇

    O rapaz estava contente em ver a fina linha de fumaça acima das árvores, estava chegando ao acampamento improvisado da Guarda de Eel. Nunca imaginara que ficaria feliz em ver os rostos dos membros e principalmente, do Chefe da Obsidiana.
O Homem permanecia com o rosto carrancudo, mas ao ver o jovem loiro surgir por entre as árvores, sua expressão suavizou e seus olhos brilharam ansiosos.


—Leiftan, finalmente.

Sua voz era grossa e atingiam os tímpanos do rapaz fazendo seus ossos tremerem . Ele parou em frente do homem, ele estava coberto com um manto negro e carregava consigo um broche da Obsidiana, um circulo com pontas que pareciam simbolizar uma rosa dos ventos, os dois machados presentes estavam atravessados e pouco acima deles havia uma pequena pedrinha vermelha, brilhando como sangue fresco. Leiftan tomou fôlego.


— Cassius, descobri tudo que precisávamos.


Ele não precisou dizer muito. O homem o direcionou até a maior tenda do pequeno acampamento, os demais membros entendiam que saberiam na hora certa, então apenas voltaram a fazer suas tarefas. Leiftan estava nervoso, não fazia nem três meses desde que entrou para a Guarda de Eel, mas parecia ter conseguido cair nos braços da graça dos membros mais velhos e importantes.
Cassius indicou o pequeno banco ao lado de uma mesinha no centro da tenda. Não dissera nada, seus olhos já indicavam tudo: Conte o que descobriu.

— Eles realmente estão com o pessoal da missão de Valencia, os vi falando sobre e para confirmar, tentei ver pelas janelas das cabanas até encontrar alguma coisa. E então, encontrei eles em um prédio em ruínas que mais parecia um velho casarão, todos os oito membros estavam lá.

Os olhos verdes do rapaz foram ao encontro dos do homem, ele parecia estar pensando, mas apenas acenou com a mão para que Leiftan continuasse.

— Os faerys parecem se movimentar mais pela cidade durante à noite, não entendi o porquê mas, isso talvez seja útil para nós.

—Não os chame de Faerys, estão mais para monstros. — avisou —Prossiga, descobriu mais alguma coisa importante?

O Lorialet limpou a garganta, vira tantas coisas terríveis naquele vilarejo, sua mente precisava de um tempo. Ele respirou fundo e continuou.

—Parece que alguns ali agem como mercadores, vendem de tudo, e acho que até mesmo outros Faerys. —ele sentia um nó se formar em seu estômago, odiava como aquele mundo era cruel. —Talvez foi por isso que sequestraram os nossos membros.


Os dedos do chefe alisavam sua barba rala que crescia devido o tempo sem a fazer, sua expressão era séria e ele pensava naquelas informações com cautela. Cassius levantou-se e foi para fora da tenda. O lorialet o seguiu sem hesitar. O homem se posicionou no centro do acampamento e não demorou muito até que os outros 6 membros daquela missão se aproximassem.


— Finalmente iremos prosseguir com a nossa missão, agora que sabemos a localização e a forma como as criaturas ali se movem. —disse Cassius, todos olharam para ele — Iremos iniciar o plano ao amanhecer, então preparem-se. Explicarei o plano amanhã.


Leiftan observou o chefe voltar para sua tenda e fez o mesmo, indo para a sua. O melhor a se fazer era descansar, e ele nunca estivera tão feliz por estar em um lugar quente. Não demorou muito para ele adormecer.








Se as noites eram frias, as manhãs pareciam ser piores. O lorialet acordou com o barulho da movimentação dos membros da missão, ainda sentia o corpo pesado pela falta de sono dos últimos dois dias, e seriam necessários mais do que algumas poucas horas para recuperar as noites sem dormir. Pulando da cama improvisada ele vestiu seu casaco branco, o sol ainda não tinha aparecido, mas a coloração clara do céu no horizonte indicava que não demoraria para amanhecer.
Ele tinha acertado, seus companheiros de guarda estavam andando apressados de um lado para o outro, desmontando o acampamento e organizando as coisas para o resgate. Um dos membros caminhou até ele, era Vincent, os cabelos negros que caiam sobre o ombro estavam uma bagunça, e os olhos azuis escuro em um estado de ansiedade.


—Cassius pediu que a gente desmontasse as tendas e se preparasse para partir. —avisou, e deu um bocejo, as olheiras abaixo dos olhos indicavam a falta de sono. —Você está um tanto atrasado, então, vou ajudar.


— Dormi um pouco mais do que queria, desculpe. —mentiu, o rosto cansado o entregava.— Eu agradeço a ajuda.

Os dois começaram a desmontar a tenda. Leiftan guardava suas coisas em uma bolsa de viagem, enquanto Vincent tirava as estacas do chão que prendiam o pano da tenda ao solo. O rapaz de cabelos negros contava o plano do Chefe, já que o lorialet o tinha perdido.


—Creio que temos que evitar confronto com os habitantes do vilarejo, eu só não lembro o porquê.

—Talvez seja pela quantidade de pessoas, ou porque as criaturas ali são perigosas, não teríamos chance.—Leiftan respondeu, a lembrança dos seres voltando à sua cabeça.

Assim que terminaram de desmontar a tenda, Cassius surgiu de entre as árvores, com o manto balançando atrás de si. Sua expressão carregava algo entre a ansiedade e preocupação. Ele logo ordenou que fossem em direção a trilha que os levaria até o vilarejo. Estava na hora.


O pequeno grupo de faerys marchava em direção ao vilarejo, seu número reduzido após deixar 2 de seus membros a cuidar dos mascotes e preparar tudo para a partida assim que o grupo retornasse com os resgatados. Leiftan estava logo atrás do chefe da Obsidiana, sua postura indicava a tensão com aquela missão, o rapaz não entendia o porquê, mas o homem não dissera uma só palavra, e já estavam no limite entre a floresta e a Vila dos Renegados.

O lugar estava deserto, Leiftan lembrava que passou horas observando os seres dali, e assim que o sol nascia, a maioria se isolava dentro das pequenas casas antigas.

—Qual é a casa?—perguntou o chefe a Leiftan.


O rapaz observou o centro da cidade, as casas estavam parcialmente destruídas ou caindo aos pedaços, era horrível, e só se comparava com o cheiro. Então seus olhos encontraram o velho casarão do outro lado da praça central, ele indicou com o dedo para o chefe.


—Dois de vocês venham comigo, os outros, fiquem de olho se caso algum monstro aparecer. Vamos tentar fazer isso de forma pacífica, ao menos uma vez.


Todos assentiram, Vincent e Leiftan resolveram acompanhar o homem, talvez pela curiosidade ou apenas para fazerem parte daquele ponto importante, o rapaz diria que seria um pouco dos dois. À frente do casarão era cheio de pequenas jaulas, algumas estavam vazias e outras tinham pequenas criaturas que dormiam, eles jamais tinham visto coisas como aquelas. O lorialet preferiu virar o rosto e ignorar a existência deles, seria mais fácil. Eles adentraram a casa, e ficaram surpresos com o ambiente lá dentro.

O lugar fedia a carne pútrida, havia mais jaulas pelo salão e várias correntes desciam do teto até o chão. Não tinha sinal de nenhum ser, nem mesmo dentro das pequenas celas improvisadas. Cassius ficou em alerta, seus passos ecoavam pelo lugar, era o único barulho fora o tilintar das correntes.


—Ora, ora,  o que fazem aqui? Tenho certeza que não estão aqui para  comprar nada.

Um homem surgiu no interior do salão, Leiftan sentiu os pelos da nuca arrepiarem, e seus sentidos pareciam dizer "perigo, corra!". Cassius tomou a frente, ele pareceu mostrar o emblema da Guarda Obsidiana preso ao manto, O homem que agora tinha saído das sombras revelando sua aparência exótica sorriu. Seus cabelos eram ralos e grisalhos, a pele castigada pelo tempo era pálida e possuía várias cicatrizes. Mas o pior era os olhos, ou a ausência deles, tudo que tinha em seu rosto eram órbitas negras.

—Me siga. —ele disse indicando uma porta de ferro no fundo do salão.


Cassius suspirou e olhou para seus companheiros.

—Fiquem aqui, não façam nada à não ser que eu ordene, entenderam?

Os dois acenaram que sim com a cabeça e observaram o chefe da Obsidiana sumir ao fechar a porta de ferro atrás de si. Os jovens ficaram esperando ali, sentindo o nariz queimar com o mal cheiro do lugar. Leiftan sabia que aquilo não era algo que Cassius faria, ele era do tipo que saía na mão com quem quer que fosse, aquele plano certamente era de outra pessoa, alguém mais pacífico.

Cada vez mais o jovem entendia o que era aquele lugar. Parecia ser um tipo de mercado de criaturas, ele via notas de características espalhadas pelo chão, e alguns preços com os nomes das diferentes raças que ele deveria ter. Ele estava certo a final, suas deduções às vezes o surpreendia.

Não entendia a demora de Cassius para voltar, estava prestes a ir até a porta de ferro e ver o que acontecia, quando a mesma abriu e os homens saíram da sala. A criatura carregava no rosto um sorriso satisfeito, e naquela hora, o jovem sentiu uma agonia crescer em seu corpo. O chefe caminhou até eles com uma expressão séria.


—Vão liberar eles, mas tive que dar algo em troca, aparentemente eles não poderiam sair no prejuízo. —o homem bufou, ele passou as mãos pelos cabelos cor de mel. — praticamente, compramos nossos próprios membros.


Leiftan entendeu agora, o plano era não começar uma batalha sem sentido, mas comprar algo que era seu, parecia ferir o orgulho do homem.

Eles seguiram para a frente de uma das celas, onde a velha criatura estava com aquele sorriso terrível nos lábios. Ele abriu as grades e voltou para sua sala no final do salão, aparentemente, dali em diante ele não se importava mais.

Um alívio cresceu dentro de todos, os faerys saíram de dentro das celas agradecendo sem parar pelo resgate, algumas pareciam sequer acreditar nisso. Logo eles saíram daquele casarão, todos queriam distância daquela lugar. Então Leiftan escutou um ruído, e pelo olhar de Vincent, ele também o escutara.

"Ajuda..."


Uma voz fraca chegava aos seus ouvidos, ele procurava o dono com os olhos atentos, observando as pequenas jaulas encostadas nas paredes do velho casarão. A maioria dos seres que estavam ali continuavam a dormir. Talvez fosse um delírio dos jovens.

—O que vocês estão fazendo?—Cassius questionou observando os dois rapazes, ele estava sem o manto, seus ombros largos estavam tensos.


— Estou escutando alguma coisa— respondeu o jovem de cabelos negros.


"Por ...favor...ajuda!"


De novo, e foi então que rapaz encontrou o dono da voz. Um par de olhos verdes o encarava. Leiftan observou com atenção a criatura, os cabelos que talvez um dia tinham sido brancos puros estavam sujos e soltos sobre o corpo caído. O ser era pequeno, e parecia que algo crescia em suas costas, algo como asas. Asas tão finas quanto às de uma mariposa. Os dedos dela tocavam as barras da pequena jaula mas pareciam hesitar, como se o simples tocar no ferro queimasse sua pele.

—Ajuda...


A criatura repetia aquelas palavras. Vincent se aproximou da pequena jaula, mas o homem o ordenou que parasse.


—O que você está fazendo?—perguntou o encarando.


—Senhor eu...eu ia abrir.


—Não faça isso .— ele se aproximou do rapaz e com o braço o fez se afastar da jaula.


Leiftan observava com atenção aquilo. Viu Cassius se agachar em frente da pequena criatura e encarou a mesma, como se estivesse a estudando. O rapaz escutou a pequena sussurrar de novo por ajuda.

O chefe da Obsidiana apenas se levantou e virou as costas. Sua expressão estava séria, e Leiftan estava sentindo algo crescer em seu peito. Ele iria deixar aquela criatura ali? O lorialet viu a mesma expressão no rosto de seu amigo.


—Não adianta libertar mais um monstro no mundo. Se ela está aí, é porque fez algo de ruim. —o homem explicou enquanto andava em direção aos faerys que aguardavam ansiosos a partida daquela cidade. —Vamos embora.


Leiftan observou o homem incrédulo, era assim que a guarda de Eel agia, sempre assim, tratando as coisas com egoísmo. Não era atoa o ódio que o lorialet sentia por eles só crescia, eram eles os verdadeiros monstros daquela história. O jovem respirou fundo, e mais uma vez pôs a máscara de bom rapaz no rosto e seguiu o Chefe da guarda Obsidiana.
    Ainda dava para escutar os pedidos de ajuda da pequena criatura. Mas logo eles sumiram conforme se afastavam do casarão, e logo da pequena vila dos Renegados. Eles iam rumo  ao refúgio de Eel, de volta para casa.  




The Last Scream: O Canto dos Amaldiçoados Onde histórias criam vida. Descubra agora