Capítulo 3

3.6K 304 349
                                    




Pedra Branca, 15 anos atrás

A iluminação alaranjada por detrás da fina cortina branca de renda denunciava que o dia estava nascendo. Ato confirmado pelo cantar do galo embaixo da janela do quarto de uma Betina adolescente.

— Cale a boca, Jerúlio! — Betina sempre foi mal-humorada por natureza, porém, nesse dia em especial conseguia estar ainda pior — Eu quero dormir mais um pouco, galo estúpido! Hoje é sábado!

Mas o teimoso do galo continuou com sua cantoria e como por capricho da ave, ainda mais alto e estridente.

— Esse galo sempre adorou me provocar! — murmurou uma voz irritada debaixo do cobertor, no segundo seguinte se levantou com chispas nos olhos, afastou as cortinas, abriu a janela e pôs a cabeça para fora:

— Calado, senão eu te ponho na panela! — gritou para o desaforado.

Fechou a janela, puxou a cortina e se jogou na cama, cobrindo-se novamente com o cobertor quadriculado. Betina não queria se lembrar de nada, não queria pensar em nada, não queria que sua mente rebelde a fizesse lembrar com riqueza de detalhes a cena do beijo entre o casalzinho idiota. Queria se lembrar menos ainda do gosto amargo na garganta de raiva e ciúme. Elisa e Felipe que fossem para o inferno!

— Droga! — tarde demais, já havia se lembrado — Preciso dormir pra esquecer!

Fechou os olhos com mais força, agradecendo o silêncio sem aquela cantoria toda do galo, mas o cheiro do café fresco feito pelas mãos de sua mãe a despertou de vez. Uma vez de pé, foi lavar o rosto e escovar os dentes. Seu reflexo no espelho assustava.

— Meu Deus, estou mais feia do que já sou!

Havia olheiras que denunciavam um choro silencioso e sofrido, e as várias noites mal dormidas.

Foi até a cozinha, disposta a se servir de uma boa xícara do café forte que sua mãe preparava como ninguém.

— Bom dia, mãe. — cumprimentou, tentando disfarçar a tristeza.

— Bom dia, meu amor! — a mulher de avental sorriu para a filha.

Irene, mãe de Betina e Cristiano, era uma mulher chegando na casa dos 40 anos, com tão pouca idade aparentava ser no mínimo dez anos mais velha. Sua pele estava mais enrugada que o normal, suas mãos eram calejadas da lida na roça e seu cabelo não tinha brilho, mas ainda assim podia-se dizer que era uma mulher bonita. Estatura mediana, pele branca, olhos acinzentados, porém, num tom mais apagados desde que o marido tinha partido com outra mulher e a abandonado com duas crianças pequenas.

— Você esteve chorando, minha filha? — perguntou preocupada — Eu ando te vendo tristonha pela casa.

Betina duvidou se deveria, mas resolveu compartilhar seu drama adolescente:

— Eu nunca fui um poço de alegria, mãe, mas tenho me sentido sem vontade de nada esses dias — sabia que não adiantaria negar o fato, Irene a conhecia bem demais, era uma mãe comum quando precisava ser rígida e educar, mas sabia ser amiga e confidente dos filhos.

— Tem um motivo pra essa tristeza, não tem?

Betina estava certa de que Irene conhecia muito bem a resposta, mas esperava ouvir da boca dela com todas as letras. E ouviria:

— Elisa... — sua voz soou trêmula.

— O que foi dessa vez, meu bem? — a mulher indagou mansamente para a filha, conhecendo bem o problema.

— Eu a vi beijando um rapaz.

Irene abrandou o fogo do fogão a lenha, pôs o café passado na garrafa térmica e se sentou à mesa de frente para a filha.

Minha Sina é Você - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora