04. E como se chama o emo?

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Abri os olhos vendo a luz do sol entrar pela janela, acordando me para um novo belo dia. Ou então não.

- Ah. Merda. Estou atrasada. Estou tão atrasada. Foda-se.- Saltei da cama ao ver que era meio dia no meu relógio e vesti uma das roupas que costumava usar para os treinos. Depois de me arranjar e de fazer um rabo-de-cavalo no meu cabelo, corri até á sala de reuniões. Entrei ofegante, não me dando ao trabalho de fazer uma entrada em grande, o que acontecia poucas vezes. Mestre Gale olhou-me como um cão raivoso. Aquilo era assustador.

- És sempre a mesma, Aurora.

- Eu sei, Mestre.

- Vamos lá despachar isto.- Johanna disse, impedindo o começo de uma discussão. E assim o fizemos. O ritual para nos transportarmos para outro mundo era sempre complicado, mas já estávamos habituados. Fizemos uma roda, sentando-nos de pernas cruzadas “á-chinês”.

- Faz a tua magia, Peter Pan.- Eu referi-me a Petee que pegou em algum pó e meteu no meio da roda. Peter não só é ruivo, como também arranja o pó mágico para fazer algumas magias (como levitar coisas ou voar). É por isso que eu gosto de lhe dar o nome de Peter Pan. Demos as mãos e fechámos os olhos.

- Traiceret aliam dimensionem. Traiceret aliam dimensionem. Traiceret aliam dimensionem.- Sussurrámos ao mesmo tempo. Senti cócegas na barriga e no pescoço, mas não me importei. Quando voltamos a abrir os olhos, puf, estávamos numa clareira na Floresta. O sol entrava por entre as árvores, ouvíamos a água a passar pelo pequeno rio e os pássaros não queriam ficar calados. E mais uma vez eu me admirei pela beleza daquele lugar.

- Acho que não sou eu que estou atrasada.- Disse dando por falta da nossa tal “treinadora”.

- Eu estou aqui.- Ouvimos uma voz demasiado fina, o que me fez olhar para trás. Encontrando uma rapariga com cabelos loiros acastanhados e um meio-sorriso. Ela era mais nova do que eu estava á espera…

- Hum… És a Tifanny…?- Dan perguntou levantando uma das sobrancelhas. Mesmo admirados, os dois rapazes não conseguiram tirar os olhos de cima da adolescente. Rolei os olhos e soltei um barulho de frustração. Vai ser um longo dia…

-Sim, sou eu.

- Mas tu és…- Peter sussurrou de sobrancelha levantada.

- Sou mais nova que o esperado? Na verdade, vou fazer vinte anos.- Ela respondeu em meio a risos. E depois fez uma pausa para olhar para nós (Para nós? Ela apenas olhou para Dan e Peter).- Bem, o meu nome é Tifanny. E vocês são…

- Eu sou a Aurora e espero que esteja a gostar da visão.- Eu declarei de braços cruzados e com um sorriso cínico na cara enquanto me metia no meio dos meus dois idiotas e só nesse momento é que ela tirou o olhar dos rapazes para reparar em mim. Senti Mestre Gale e Daniel a fulminarem-me com o olhar, mas eu não tirei o olhar da rapariga.

- Temos uma miúda insolente, estou a ver. E ciumenta também- As suas sobrancelhas levantaram-se, admiradamente. Eu de ciumenta não tenho nada.

- Sim, ela sempre foi assim.- Mestre Gale interveio. É suposto ter respeito por ela ou…? Daniel deu-me uma cotovelada no braço, eu sussurrei um “au” e ele arregalou-me os olhos ameaçadoramente.

- E como se chama o emo?- Tiffany inquiriu a Mestre Gale, referindo-se a Daniel. Eu abafei um riso quando vi a cara ofendida dele.

- Chamo-me Dan.- Ele disse ainda ofendido. Ainda gostas dela agora, hum?

- E ele não é nenhum emo.- Eu proclamei ainda a rir. A única coisa que ele tem parecido com um emo é a franja comprida do seu cabelo escuro.

Os outros apresentaram-se normalmente e um tempo depois a loira estava a explicar em que se baseava o treino.

- Hoje vamos treinar o vosso psicológico e as vossas fraquezas.- Ela declarou, andando de um lado para o outro. Eu levantei uma sobrancelha. Era a primeira vez que íamos treinar algo assim.

- A sério? És uma psicóloga ou algo do género?- Indaguei, revirando os olhos.

- Não. Na verdade, sou uma vidente. Adivinho o futuro e leio mentes.- Todos os cinco de nós arregalamos os olhos e trocamos olhares assustados.- Então. Hoje, cada um vai andar sozinho pela floresta.

- Só isso?!- Ariel exclamou.- Nem lutar com outras criaturas ou uns contra os outros como costumamos fazer?!

- Eu disse que era um treino para as vossas fraquezas. Vocês não precisam de fazer nada disso.

- Está bem. Vamos lá, pessoal. Toca a andar.- Dan proclamou e depois passou-me a mão nas costas.- Não faças merda, Aurora.- Ele pediu com um meio-sorriso. Eu sussurrei “É quase impossível não o fazer” ironicamente, e abri um sorriso. Saímos da clareira em direções contrárias e começamos a andar, sempre em frente e a direito, sem sabendo o que nos esperava. Depois de seguir uma boa parte do caminho (andei durante umas boas horas) na margem do rio, parei porque estava exausta.

- Eu odeio caminhar. Isto não me vai levar a lado nenhum, sua vidente de meia-leca!- Gritei para o nada, mas eu sabia que eles me estavam a ver. Afinal, estamos num treino. E num treino os treinadores adoram observar. Suspirei e sentei-me numa pedra, pondo os cotovelos nas pernas e pendurando a cabeça com as mãos. Fechei os olhos durante uns segundos e, do nada, deixei de ouvir a água inquieta do rio. Voltei a abrir os olhos e, para minha surpresa, já não havia nenhum rio, e as árvores já não eram as mesmas de ao bocado. Levantei-me num pulo e pude ver-me rodeada de macieiras. Eu estava num pomar. Mesmo antes de perceber o que estava a acontecer umas vozes foram ouvidas:

- Mais alto, papá!- Parecia uma criança a falar.

- Não posso ir mais alto, querida. Podes cair.- Arregalei os olhos perante a voz que me era demasiado familiar. Andei em direção ás pessoas que falavam animadamente e o que eu vi a seguir foi horrível. Uma menina estava sentada num baloiço gasto com um vestido azul claro e duas tranças feitas á pressa. O seu pai empurrava o baloiço pois a pequena não continha força para o fazer. Sentada numa cadeira, a sua mãe lia a revista que tanto gostava. Como eu sei disso? Bem.

A menina era eu.

Sem saber o que estava a acontecer e com as lágrimas nos olhos, aproximei-me e quando cheguei perto deles eles pareciam não me ver.

- Mãe? Pai?- Eu tentei chamar, mas eles continuavam a agir como se não me vissem. Mas quando eu tentei tocar na minha mãe, ela começou a desaparecer, tal como o meu pai. Começaram a ficar menos nítidos até desaparecerem como pó. Voltei a olhar para mim, quando eu era pequena. O sorriso da menina tinha desaparecido, o baloiço já não andava com tanta força pois não tinha ninguém para empurrar e olhava para o chão. E eu apenas fiquei de pé, com a mão na boca, deixando as lágrimas correr. Passos foram ouvidos.

- Aurora? Estás aqui?- A pequena não respondeu, limitou-se a manter a cabeça baixa. Olhei para todo o lado, reconhecendo a voz.

- Do que estás á espera?! Não podes ficar aí para sempre!- Gritei em direcção á criança mas ela nem se mexeu. Os passos aproximavam-se e um menino saiu de trás de uma macieira.

- Estás aí!- Ele sorriu, aproximando-se.- Eu sabia que estavas aqui!- Finalmente a versão pequena de mim levantou a cabeça e, com um olhar melancólico, limitou-se a olhar para o rapaz de cabelos pretos.

- Queres que eu te empurre?- Ele indagou, e a rapariga apressou-se a reprovar a ideia.- Então? Queres que te ensine a andar? É fácil.- Sentou-se no baloiço ao lado e explicou o que Aurora deveria fazer enquanto ela olhava-o com um olhar admirado. A menina abriu a boca para falar, mas nada saiu, apenas um pequeno sorriso que cresceu nos seus lábios. Ela tentou fazer o mesmo e, em segundos, estavam os dois a rir, em cima dos baloiços.

- Oh.- Consegui proferir, apenas. As lagrimas nunca pararam de cair apesar de, como a pequena, eu ter um sorriso nos lábios.

Os meus ouvidos estouraram quando um grito agudo foi ouvido. Era horrível. Como se me estivessem a gritar aos ouvidos. Agachei-me, com as mãos nos ouvidos e de olhos fechados. Abri um dos olhos e vi que o Dan pequeno já não estava mais ali. Antes de poder olhar para o outro baloiço, o grito intensificou e eu voltei a fechar os olhos.

Aurora ☪ (slow updates)Onde histórias criam vida. Descubra agora