Kazoku

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28/04/20

O bater constante do relógio marcava os segundos que se passavam, tortuosamente. Alguns conversavam animadamente entre si, sentados nas poltronas. Outros estavam de pé, alguns recostados em algum canto ou  mais próximos da porta. Duas mulheres em específico estavam recostadas a porta da frente, uma ao lado da outra. Observavam tudo em silencio, entreolhando-se vez ou outra e em alguns momento fitando aqueles que estavam de pé, suspirando.

Os de pé observavam a cena com pesar. Doía. Todos sabiam que nada estava certo, não era necessário que verbalizassem. Doía, doía como o inferno. Mas ninguém falava nada. Já havia sido decretado. Não havia mais nada que pudessem fazer. Alguns, que já estiveram de pé naquela sala, haviam passado pela porta. E os de pé não podiam fazer nada. Só lhes restava assistir àquele grande espetáculo de máscaras e mentiras. Não, talvez não mentiras. Ilusões, fantasias. Somente os de pé entendiam o que realmente estava acontecendo ali. Não trocavam palavras, conversavam por olhares. Quem visse de fora talvez até afirmasse que conversavam telepaticamente. Se entendiam sem a menor troca de contato. Afinal, havia acabado, mas a conexão entre os de pé ainda era forte como titânio. Duradoura. Talvez nunca acabasse.

Hon suspirou pesarosamente. A mulher vivera por aquilo. Assim como muitos ali de pé. Hon estava de pé também, porém mais próxima aos sentados. Ela também entendia o que acontecia ali, e talvez fosse uma das mais afetadas. Tomou o ar para si lentamente, abrindo sua boca para dizer algo. Uma das mulheres recostadas a porta percebeu. Tayla. Avançou o corpo brevemente, pronta para impedir qualquer coisa que viesse a machucar Hon ainda mais. Sabia, mais que todos ali, que a mulher sofria. Sofria, chorava, gritava. Tayla já havia conversado muito com Hon. Eram muito chegadas. Hon confiava sua vida a ela.

— Eu... — Hon começou, avançando dois passos para frente, indo em direção aos que estavam sentados, apesar de que a frase que estava por vir era direcionada principalmente aos de pé. — Eu sinto saudades. Vocês também não? — Disse em um tom baixo, sentindo a voz embargar. Viu uma expressão de dúvida crescer no rosto dos que estavam sentados. Quanto aos de pé, pode ouvir alguns suspiros, alguns risos nasalados que estavam longe de carregar alguma carga de humor.

— Hon, não precisa disso. — Tayla advertiu, avançando em direção a mulher. Seu semblante continuava calmo, mas doía nela também. Ela era responsável por todo ali. Inclusive se culpava pela situação atual da sala. Se culpava pelo estado dos de pé.

— Vocês não sentem falta de como era antes? — Hon aumentou seu tom de voz, sentindo os olhos marejarem. Poderia fingir que havia superado, mas os de pé sabiam que não. Todos os de pé se conheciam muito bem. Sabiam que Hon talvez nunca superaria. Havia se apegado demais. — Não sentem saudades daquela época? Da época em que nós estávamos sentados... — Exaltou-se. Agora gritava. Gritos indignados e doloridos de alguém que viu uma parte de si morrer aos poucos, bem diante de seus olhos. — Só existíamos nós, mais ninguém. Conversávamos, riamos de qualquer bobagem. — Sentia lágrimas quentes e grossas descendo por suas bochechas. Tayla já estava á alguns passos da mulher do cajado. — EU SINTO SAUDADES DA MINHA FAMÍLIA, CARALHO. — Esbravejou, antes de ser agarrada por Tayla. A mesma a envolveu em seus braços a apertando e sussurrando algo que só as duas entendiam.

— Tata... — Hon sibilou baixo o apelido antigo que dera a ela. Fechou os olhos e recostou a cabeça no ombro da mais velha, apertando-a com força, como se quisesse fundir-se com  a única lembrança concreta que ainda possuía de tempo em que fora realmente feliz.

Os de pé observavam a cena, calados. Sabia que Hon explodiria assim em algum momento. A mulher havia se apegado como ninguém àquele grupo. Sempre fora muito sensível. Olhares pesarosos e cheios de significado eram trocados. Todos se entendiam. Todos sentiam a mesma dor que a mulher que se afogava em lágrimas e soluços no centro da sala.

Tayla murmurou que tudo ficaria bem, mesmo que nem ela acreditasse nisso. Todos os de pé sabiam que não ficaria tudo bem, já que nada voltaria a ser como um dia foi. Uma lágrima solitária desceu dos olhos de Tayla, e apertou Hon com mais força, selando sua testa. Conversando em silêncio com a mulher em seus braços. As duas haviam feito uma promessa uma a outra. Era essa dita promessa que as mantinham de pé. Nunca seria quebrada. E era por isso que Tayla abraçava Hon naquele momento. Havia prometido de estaria sempre ali.

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⏰ Última atualização: Apr 28, 2020 ⏰

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