FRED
Fazia pouco mais de uma semana que eu estava de volta em casa. Quer dizer, na cidade que eu chamei de casa por quinze anos. Uma das coisas mais difíceis que eu tive que fazer na minha vida foi partir, deixando para trás meus amigos, meus primos queridos e a menina que eu gostava, sem nem ao menos ter tido coragem de me declarar.
— Ela nem sabe da sua existência patética, Fred. – Meu primo me deu um tapa na cabeça por cima do sofá.
— Ai, Giu! – Reclamei da delicadeza sem precedentes dele.
Se os laços de sangue não nos fizeram ser melhores amigos desde a infância, eu não sei o que mais poderia me fazer aturá-lo há tanto tempo.
— Agora que você voltou pra esse fim de mundo, está na hora de reencontrá-la e contar todo esse monte de papagaiada que você disse para mim. – O loiro vibrou com a jogada de seu atacante, que fez minha rede balançar novamente.
Giu não era somente um mulherengo como também um canalha de marca maior, como disse, só podiam ser os laços de sangue.
— Claro! Vou chegar lá na fazenda e dizer que sou apaixonado pela irmã do meu amigo desde que eu tinha doze anos e que não vejo há uma década.
— E que provavelmente ela não saiba ou se lembre da sua existência. Não se esqueça de adicionar isso quando for falar com ele.
Conheci a pequena Lia Andreas quando eu tinha doze anos e quando eu estava prestes a fazer dezesseis anos minha mãe se casou novamente e tivemos que nos mudar para Rússia. Meu padrasto era como um pai para mim e, apesar de sempre estar viajando por conta do seu trabalho como paraquedista do exército moscovita, eu o tinha como um exemplo a ser seguido.
Quando partirmos, a ideia de morar em um país europeu com saúde, segurança, educação de qualidade e uma família funcional poderia parecer incrível, mas não quando você é um adolescente tímido e bastante estranho.
Agora, eu não era mais um adolescente, nem tão tímido e, definitivamente, não era mais estranho. A única coisa que se manteve desde minha adolescência foi meu amor pelo paraquedismo, pelo desenho e pela ruiva que ganhou meu coração mesmo antes de eu saber que isso era possível.
— Caralho Fred, presta atenção no que eu tô falando, man. – Giu me chamou novamente à realidade. – O Neto acabou de me mandar uma mensagem avisando que vai ter uma festa lá na casa dele esse final de semana. – Apesar de ser uma notícia incrível, seu semblante não estava alegre. – A Lia vai estudar na Inglaterra e eles vão assar um boi em comemoração.
— A LIA VAI PARA A INGLATERRA? – Não consegui esconder o choque e controlar o tom de minhas palavras.
— Aparentemente sim. Não sei como ela estudaria na Inglaterra continuando a morar aqui no meio do nada. – A ironia na voz de Giuliano me tirou do sério de uma vez.
Saí do sofá da sala e parti para a cozinha atrás de mais uma cerveja. Tomei uma long neck da produção de meu primo em um gole. O babaca podia ser um imbecil, mas as cervejas produzidas pela sua cervejaria eram algo de outro planeta de tão boas.
Pensa Frederick, pensa!
Deixei Giu jogado no sofá, entretido com o videogame e peguei o celular em cima do móvel. Procurei pelo contato do meu velho amigo e rezei para ser o mesmo.
— Hey Fred, como vai, man? – A voz de Joseph parecia animada ao atender minha ligação.
— E aí cara, tudo bem? – perguntei e quase não aguentei esperar por sua resposta. – O Giu falou que vai rolar um boi na sua casa sábado. É verdade?
— É man. A Lil vai estudar fora e você conhece meu pai, né? – ouvi um leve assobio do outro lado da linha. – Quando for a hora da Kate, nem sei o que ele vai inventar.
— Ainda falta muito tempo, cara. A Katerina ainda é uma criança. – Me lembrei da espoleta da irmã mais nova de meu amigo.
— Man, você está fora há muito tempo. Nenhuma das meninas são crianças mais. A Lia tá com 23 e a Kate logo bate os dezoito anos. – Depois de uma breve pausa. – Tamo ficando velho, bro.
— Caramba! Nem me fale! – Exclamei, passando a mão pelo meu cabelo. – Que horas eu chego aí então? Sabe que eu gosto de participar dos preparativos, e precisamos pôr o papo em dia.
— Cedo, porque meu pai vai assar um boi, man. Vai ter trabalho pra dar com pau!
— Combinado. Chego umas oito e pouco.
— Fred, aproveita e avisa pro mala do teu primo que eu vou aí mais tarde pra dar um cacete nele no FIFA e espero que tenha breja gelada. Breja de verdade!
— Falou, Neto! Vou avisar o Giu, mas ele vai cagar para suas exigências, como sempre.
Desliguei a ligação rindo alto e meu primo me fuzilou com o olhar quando passou por mim para pegar mais uma cerveja na geladeira.
— Que merda o Neto falou dessa vez? – Giu jogou a tampa da sua garrafa na minha direção.
— Ele pediu para avisar você que ele está vindo para cá e quer cerveja "de verdade" gelada. – Fiz aspas com os dedos, pois sabia que ele estava se referindo ao fato de só termos as cervejas da produção do Giu em casa.
— Até parece! Nem no melhor sonho daquele pela-saco que eu vou deixar entrar na minha casa qualquer xixi de camelo quando eu mesmo produzo a melhor breja da região.
— Sua casa é, mané? – Brinquei, revidando outra tampinha na sua direção.
— Não é porque você é da família que vai ficar aqui pra sempre. Trate de arrumar um canto para depositar esse seu traseiro gordo, porque eu quero meu ninho de perversão de volta.
Não consegui fazer mais nada a não ser revirar os olhos para os absurdos do meu primo. Gostava de morar com ele, mas sabia que logo teria que alugar um canto para mim ou enlouqueceria com os hormônios reprimidos do mulherengo irremediável.
— Chega de falar merda e vamos tirar outro contra enquanto o Neto não chega. – Giu pulou pelo encosto do sofá e me ofereceu um dos controles.
Os jogos de futebol não eram os meus preferidos, só que era melhor me focar em controlar onze homenzinhos na tela do que pensar no que faria para a semana passar mais rápido e chegar logo o dia da festa da Lia.
A ansiedade por revê-la depois de tantos anos crescia em meu peito. Eu a veria provavelmente pela última vez, mas a veria. Isso me deixava com uma certa dificuldade de respirar, já que durante todos esses anos, mesmo longe, eu não consegui tirá-la do meu pensamento nem por um instante.
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AMOR NAS ALTURAS
RomanceA doce Lia é uma violinista nascida no interior de São Paulo e criada pelo pai após a morte precoce de sua mãe. Com o coração cheio de histórias românticas e a cabeça nos estudos musicais a vida toda, ela nunca sentiu o estômago cheio de borboletas...