03 | E. M.

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Ela está chegando

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Ela está chegando.

Seus saltos faziam barulho na antiga madeira, que rugia com seu peso.

Crec crec crec.

O corpo pequeno na cama, estava em posição fetal, encolhido e coberto por sua manta vermelha, abraçado com seu coelho, e totalmente estático, como se aquele gesto fosse o proteger, ou melhor, fizesse com que ela fosse embora. Entretanto, como todos os outros dia, ela não o deixou em paz.

A porta rangia ao ser aberta lentamente, evitando que qualquer outra pessoa soubesse o que ela estaria fazendo ali. O farfalhar de lençóis e o movimento do colchão denunciavam quem já estava ali, do seu lado.

Sua mãe.

Fechou os olhos quando o tecido que o cobria foi retirado repentinamente, escutou aquela voz que antes achava linda, mas que agora, só causava arrepios. Olá bebê, a mamãe chegou. Já sabia o decorrer da cena, o som do cinto sendo desafivelado, o elástico de cabelo batendo contra o punho e sendo amarrado nos fios soltos, o casaco grosso saindo do corpo de sua progenitora. Tudo isso era como música aos seus pequenos ouvidos. Uma música totalmente desafinada e que lhe renderia bons hematomas.

O primeiro golpe veio de repente, em sua canela fina, junto das mesmas palavras. Eu te amo, isso é para seu bem.

Em seguida veio o segundo, o terceiro, o quarto. Amaciados pelas frases que já não faziam tanto efeito.

Eu te amo. A mamãe chegou. Tudo vai ficar bem. Não conte para seu pai. Seu rostinho é lindo.

Como todas as outras vezes, chegou o momento, que ele só soluçava e se perguntava "o que eu fiz, mamãe? A senhora não vê que está doendo?"

Sua inocência infantil fazia com que ele não entendesse o que estava acontecendo, mesmo após anos de agressão, só compreendia que aquela dor que sentia, não era normal.

Seus amigos da escola sempre diziam em como a mãe deles os levava para passear, compravam doces e brinquedos, ensinavam a ler e a escrever.

Então, por que a sua era diferente?

Não sabia quanto tempo havia se passado, apenas que tinha acabado quando ouviu o rotineiro suspiro cansado e o coelho arrancado violentamente da sua mão, seguidas de palavras de ódio ao ser inanimado.

"Eu odeio esse coelho".

Pensava que não conseguiria dormir com toda aquela dor no corpo, mas o esforço de não gritar exigiu suas poucas energias e adormeceu, pensando sempre a mesma coisa.

Eu não sei se eu te amo, mamãe.

Personas [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora