Victoriam || l.t

6º Capítulo

Recordo-me perfeitamente do nosso pequeno momento que partilhamos no seu apartamento no centro da cidade. O por do sol já se fazia sentir e ambos estávamos embrulhados numa única manta creme, comendo pizza de ananás, enquanto estávamos sentados num banco discreto que ele tinha na varanda. O dia estava especialmente frio, algumas flores esvoaçavam com o vento e o barulho das folhas das árvores era reconfortador. Pela primeira vez em meses, pude apreciar um momento a sós e em sossego com William, o homem que me fez sorrir sem motivo algum. Bastava pensar nele.

O braço dele estava por cima dos meus ombros, acariciando a minha pele aquecida pela dele, e a minha cabeça pousava no seu ombro, enquanto estimávamos aquele simples momento que tanto nos fez falta. As coisas simples realmente faziam parte da nossa relação. Nunca investimos em algo mais fora do normal, apenas em momentos destes, seguidos por algumas palavras, ou, muitas das vezes, o silêncio era mais alto entre nós, mas, diferenciando-nos de tantos outros casais, o silêncio era reconfortante tal como agora - e não estranho.

Apesar de tudo, houve algumas coisas minimalistas que sofreram mudanças neste ano. William tinha deixado a barba crescer, eu tinha-me tornado menos sensível. O seu cabelo estava maior, o meu estava mais curto do que o normal. A sua voz estava mais rouca devido à maior quantidade de tabaco que agora consumia, e eu tinha adquirido umas olheiras mais escuras. Mudanças irrelevantes para nós.

- O que fizeste neste tempo todo? Desde que regressei para Portugal.

- Eu contei-te por carta algumas coisas. - Começa ele, com a sua voz um pouco mais rouca e com alguma tosse seca. - Depois de voltares para Portugal fiquei meio perdido, sei lá, desamparado. Foi estranho não ter a tua presença sempre a pegar comigo. - É verdade, eu também senti a falta disso. - Assim que voltei de novo à escola houve mais confusão, muita mesmo, e já sabes o resto. Fui acusado de envolvimento impróprio com uma aluna.

William foi realmente um sortudo por não ter enfrentado um processo judicial. É verdade que a minha mãe não apresentou nenhuma queixa acerca do sucedido, mas nada impediu a escola de o fazer. Provavelmente, a escola não quis enfrentar a vergonha de assumir publicamente que tinha professores ''destes'' que ponham em causa a integridade das alunas. Já para nem falar da diminuição de alunas inscritas em Mill Hill School após o escândalo.

- Foi a Sierra. - Afirmo, referindo-me a quem deu com a língua nos dentes.

- Desconfio que sim. E também acho que o Edward também teve alguma coisa haver com isto.

- E a Eleanor.

Um momento de silêncio atravessou-se entre nós, desta vez houve alguma tensão no ar. William trincava lentamente o ananás da sua pizza. Tudo por causa do nome ''Eleanor''.

Acho um pouco vergonhoso saber tão pouco dele, ou não saber quase nada acerca da informação básica sobre William. Tal como a sua pizza preferida, pizza de ananás. No entanto, a minha mãe sabia. Na verdade, sabíamos pouco sobre o outro, mas acabamos por nos apaixonar mesmo assim. O amor é algo mesmo incompreensível. Apreciamos o tempo que passávamos um junto do outro, apreciamos cada simples conversa que tínhamos - mesmo que fosse só para nos chatearmo-nos -, apreciamos as nossa palhacices só porque sim ou para animar o outro. Apreciamos cada bom dia dado e cada resmungo. Eu adiciono ainda à minha lista o nosso primeiro beijo. Lembro-me perfeitamente que notamos instantaneamente a diferença do toque dos nossos lábios, na corrente energética que atravessava o nosso corpo desde que nos tocamos. Estava escuro e foi em plena madrugada. Ironicamente, ambos pensávamos que estávamos a beijar outra pessoa. Eu pensava que estava com Edward e William pensava que estava com a minha mãe. Apreciei também a primeira vez que nos encontramos, na primeira vez que os nossos corpos colidiram; nesse momento, demos o nosso primeiro abraço, abraço esse que me salvou. Literalmente. Evitou que eu fosse atropelada e depois acalmou-me com a sua típica carícia nas costas e um beijo na cabeça.