Vinho Tinto

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Não fui demitida. O que foi bastante surpreendente.

Minha chefe me recebeu com uma expressão zangada bastante assustadora. Me deu uma bronca durante trinta minutos sobre pontualidade e como ela esperava mais de mim já que era o meu primeiro dia e que, se isso se repetisse, ela não teria outra opção senão me demitir.

Por isso, o dia todo, dei um sorriso simpático e caloroso para os clientes, fui atenciosa e até recebi algumas gorjetas, que coloquei na caixinha de doações do restaurante.

Eu tinha arranjado um emprego como garçonete. Como era um restaurante chique no bairro nobre da cidade pagavam mais do que pagariam em um boteco qualquer. O único problema era que eu tinha que usar um uniforme. Não era feio, era uma calça social preta, uma camisa branca com as mangas sobradas, um colete preto com uma plaquinha com meu nome e, uma gravata borboleta vermelha, além de um avental preto amarrado na minha cintura, porém, não era confortável e era quente, dava pra sentir o suor nas minhas costas.

Tive que fazer hora extra pra compensar o atraso, então cobri o jantar, o que não aconteceria normalmente.

À noite, o restaurante ficava mais cheio, era ocupado por pessoas usando roupas chiques e que achavam perfeitamente normal sair de casa numa segunda-feira à noite pra gastar horrores em um jantar e beber vinho. Os preços da comida naquele restaurante eram um absurdo, mas, pela cara da comida, deveria ser muito bom, e cheirava bem também.

Faltava uma hora para acabar meu expediente e eu já sentia o cansaço tencionar meus ombros. Além disso, aquele cheiro todo de comida estava me matando, fazia tempo desde a última vez que eu tinha comido. E, como se não bastasse, estava sentindo muito calor com aquela roupa toda, nem mesmo o ar condicionado estava ajudando muito.

Basicamente, ser garçonete era mais difícil do que eu tinha pensado. A gente sempre via aquelas pessoas servindo as mesas, anotando nossos pedidos e trazendo nossa comida quando íamos em algum restaurante, mas jamais parávamos pra pensar como deveria ser cansativo. Ficar em pé, esperando ser necessário, andar de um lado a outro com comidas e bebidas, não derrubar em ninguém, sem falar que alguns pratos eram realmente pesados.

Vamos dizer que, ser garçonete não era o sonho da minha vida, tampouco estava no meu plano de carreira.

Eu costumava trabalhar em uma empresa de cosméticos, trabalhava na área de contabilidade, porque foi essa a faculdade que eu fiz, pra agradar meus pais. Eu sempre fui muito boa com números e tinha uma facilidade estranha em lidar com eles, por isso escolhi um curso que talvez fosse mais fácil pra mim. O salário era ótimo, na verdade, incrível, mas eu odiava cada segundo. Ficar sentada em um escritório na frente de um computador todo dia me dava urticarias. Eu aguentava por Rick, porque quando chegava em casa, lá estava ele, pronto pra me animar. E também por causa do dinheiro.

Acontece que, depois que terminamos, eu não via mais razão para estar naquele emprego odioso. Acabei sendo demitida porque faltei muitos dias sem aviso prévio, no tempo que eu costumo chamar de "momentos de depressão e choradeira", que sucederam o rompimento.

É engraçado que eu detestava ficar sentada em frente à um computador o dia todo, me dava dor nas costas. Sempre que podia, eu me levantava para pegar um café, só pra esticar as pernas. Agora, como garçonete, tudo o que eu queria era sentar um pouco, porque meus pés doíam. Ser adulto me parecia isso mesmo, escolher entre dor nas costas ou no pé.

A minha verdadeira vocação, na verdade, era música. Eu sempre amei tocar piano, minha mãe tinha comprado um pequeno e usado quando eu tinha dez anos, porque, até então, só podia praticar na escola de música. Fiquei tão viciada que tocava sem parar, até enlouquecer meus pais. Eu tinha certeza que um dia seria uma grande pianista, que tocaria em uma orquestra ou que faria concertos solos, tocaria minha música. Eu era muito boa, todo mundo dizia. Jamais imaginei que fosse ser contadora, muito menos uma garçonete de um restaurante quatro estrelas.

Beca e Nick (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora