Atropelando Problemas

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A vida é uma sucessão infinita de obstáculos nos quais estamos sempre tropeçando. Às vezes, conseguimos ficar em pé, manter o equilíbrio, e fingir que nada aconteceu. Outras vezes, não há nada a ser feito e simplesmente caímos de cara no chão.

A questão era que, há seis meses, eu não conseguia mais manter o equilíbrio, quando eu tropeçava, ia direto para o chão.

Mudei do meu antigo apartamento para a casa de uma amiga, Juliana. Nos conhecemos na faculdade e foi amizade à primeira vista. Tínhamos muito em comum e, mesmo que tivéssemos personalidades diferentes, ela me completava de um jeito esquisito e maluco.

Também tinha Mia, a namorada de Juliana que também morava com a gente. Ela era impossivelmente louca para alguém que trabalhava como psicóloga. Foi uma espécie de anjo milagroso na minha vida, depois que terminei com Rick. Ela sempre sabia exatamente do que eu precisava em todos os momentos.

Como elas não sabiam que um dia me hospedariam, a casa delas tinha apenas dois quartos, um que elas dividiam e o outro era o quarto dos entulhos – Julie dissera que elas arrumariam aquele quarto para que eu pudesse usá-lo, mas já fazia cinco meses e o lugar ainda era um contêiner de tralhas –, de forma que eu dormia no sofá-cama da sala. As minhas coisas, quase todas, ainda estavam em caixas espalhadas pela casa e, aos poucos, eu ia me organizando. Mas não importava muito, porque nem Julie e nem Mia eram pessoas organizadas, tampouco ligavam para bagunça.

Eu era extremamente metódica em relação a organização, por isso, vira e mexe eu arrumava a casa. Também como forma de agradecimento, já que elas não me permitiam pagar um aluguel, apenas a conta de água. Eu não achava justo, mas não importava o quanto eu insistisse, elas simplesmente recusavam um aluguel. Mas eu sempre buscava ajudar de outras formas, limpando, arrumando, fazendo compras, até cozinhando. Embora eu sempre tivesse sido péssima nisso. Isso não importava antes, porque Rick cozinhava muito bem...

Mesmo depois de seis meses, a maioria das minhas coisas permaneciam encaixotadas porque eu era quase incapaz de abri-las. As lembranças ainda me atormentavam, como gnomos chutando minha canela. Não sei ao certo porque pensei nessa analogia. Acho que era porque, agora, depois de tanto tempo, não era mais uma dor excruciante, mas um incomodo chato.

Passei tantas semanas chorando e me lamentando, ficando dias sem levantar da cama, enfiada debaixo das cobertas, quase não comendo nada. Depois bebi, fui a festas ridículas para me animar, transei com estranhos para esquecer.

Doeu tanto por tanto tempo.

Mia dizia que eu tinha que fazer as coisas no meu tempo. Um passo de cada vez.

Esse era o dia de dar mais um passo.

Peguei uma caixa e me sentei no chão. Praticamente apunhalei o papelão com a tesoura, o que não podia ser um bom começo. Abri a caixa e vi vários livros empilhados. Livros, ótimo, não podia despertar nenhuma lembrança.

Oh! Como eu estava errada.

Peguei o primeiro livro, que era muito pesado e grosso. Era um exemplar de IT – A Coisa, de Stephen King, o meu livro favorito de todos os tempos. Abri o livro em uma página qualquer e aproximei meu nariz, sentindo o aroma maravilhoso de papel e tinta impressa. Mas cometi um erro ao abrir a capa na primeira página e ver a dedicatória de Rick.


Amor da minha vida,

Vi esse livro na livraria e achei que você iria adorar. Sei que você ama Stephen King e os livros bizarros dele. Na verdade, eu fico um pouco preocupado com seu gosto peculiar por coisas bizarras. Eu espero, de coração, que eu não seja uma delas.

Beca e Nick (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora