01/05/2020

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Tomar banho nunca havia sido tão difícil.

Desde que eu me lembro, não consigo tomar banho sem me sentir um lixo.

As cicatrizes quase haviam desaparecido, mas ainda trazem a minha memória lembranças da qual eu preferia ter esquecido. Meu corpo me fazia me sentir envergonhada. Ao olhar para meu corpo completamente despido, sinto-me envergonhada por ser tão gorda e feia. Ao sair do banho e olhar meu rosto no espelho, parcialmente embassado, e ver o tamanho e a quantidade de imperfeições em meu rosto, uma absorda vontade de chorar invade-me.

Por mais que eu queira muito chorar, mesmo de baixo do chuveiro, não consigo.

Acho que em toda a minha vida, eu havia chorado apenas umas quatro lágrimas por vez em que "chorava", por mais que eu quisesse chorar ao ponto de soluçar, acho que as lágrimas havia se secado quando os estupros, ou as tentativas deles, começaram, depois disso, não havia conseguido mais chorar a esse ponto.

Meu corpo negasse a deixar que as lágrimas transbordem de meus olhos.

Saio do banho, me secando no banheiro mesmo e me vestindo ali, para que não ocorra o perigo de meu pai me ver de toalha ou me trocando. Apesar de eu já o ter perdoado por tudo o que ele me fez o medo ainda era real.

Seco-me e olhando o meu reflexo no espelho, a tristeza volta a me afligir.

Desde pequena, eu nunca havia gostado de meu cabelo cacheado, nem do meu nariz, que parecia gigante, ou dos meus olhos, pequenos de mais, ou os meus lábios, ou minha testa, do tamanho do oceano.

Visto-me rapidamente, não querendo que minha atenção voltasse novamente para meu corpo gordo ou meu rosto.

Quando saio do banheiro, escovo meu cabelo sentada em minha cama, ao terminar, tento arrumar meu cabelo para ir a igreja, mas não consigo pois qualquer penteado que eu fizesse, ficava feio por conta dele não ser liso.

Como eu nunca havia tido paciência e sempre fui ansiosa, começo a respirar rapidamente, buscando ar, enquanto dos meus olhos saiam lágrimas e eu puxava meus cabelos com força.

Minha mãe aparece em meu quarto e eu tento manter-me controlada.

-Sarah, isso não é algo que se faça.- fala em tom de reprovação.

Olho para ela e tento não ser grossa.

-Eu odeio ter cabelo cacheado. Eu odeio meu cabelo!- falo aumentando meu tom conforme as palavras.

Ela sai do quarto enquanto fala:

-Isso é uma afronta a Deus, dizendo que não gosta da maneira que Ele a fez.- fala e eu bufo.

Por fim, para completar o desastre ambulante que sou, perco minha máscara, tendo eu que usar outra.

Bom, durante todo o trajeto de ida, eu apenas fitei o nada, sem pensar em nada, apenas olhando para um ponto fixo.

Ao chegar na igreja, evangélica, ao entrar, todos de máscaras, conforme o ordenado, passamos álcool gel nas mãos e sentamos nas cadeiras de plástico, postas cada uma a dois metros de distância da outra.

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⏰ Última atualização: May 05, 2020 ⏰

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