Capítulo cinco - O mísero hospital

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SENTIDOS AO DECLAMAR

Detesto recaídas, perco a serventia!

Olho sobre vidros, recaio sob vidas.

Olhares inoportunos, vistas e noturnos,

Serei tão imundo?

Escreverei sobre diurnos?

Me despeço.

Me desenlaço no deserto,

Letra infeliz!

Dissimulo.

Invento e desarrumo,

Súplicas d'algum ar.

Alguém será despido,

Caráter sem desvio,

Sujeira na inocência, ingênua queima lenhas,

Bobagem! Sou aquele, sou disfarce,

Só não sou o segundo.

Fazes! As pazes naquele passe,

D'alguém que joga sujo,

Daquele inoportuno,

Do qual hei de recordar.

Saberes! Voam e se acabam,

Laços que se bordam,

Esbaldam no amanhecer.

Bobagem! Esqueço e recordo,

Lembrar do mais sórdido,

O mundo se declama,

E sente no viver.

Acabo!

Final dos versos límpidos,

O vívido se desfaz,

Naquele íntimo quadro,

Que a essência se distrai.

Sinto.

Esqueço.

Sujo.

Faço.

Bebo.

Adeus.

Sangue infiel!

Vermelho qualquer,

Adeus.

Carta tamanha, letra cursiva,

Adeus.

E me despeço.

Incrédula e dissimulada, apenas me despedi.

E me refaço.

Sou uma paciente presa, inocente e suja. Aquela mulher! Meu alvo. Apenas me prendera aqui, mal vestida, esquecida, coitadinha! Sou eu, Marilene, uma senhora de quarenta anos que escrevia belos poemas. Também danço ballet, às vezes consigo entreter todos os malucos e eles se acalmam, aí percebo que nem todo mundo é tão louco quanto parece.

Era uma dama! Não era da alta sociedade, isso porque fui pobre na infância e ninguém me considerara. Mas tive fã clubes, recentemente vi que ainda existem e procuram coisas na minha casa, poesias e fotos de espetáculos, fico contente. Caroline, aquela detestável pessoa que me largara aqui! Pelo menos alguns médicos sabem da história e me dão chocolate, aqui também tem café de graça para todo mundo, algo que muito me apetece.

Sinto saudades da minha filha Luciana, aliás, esta não sabe que é minha filha. Carol sequestrou-a e a fez refém, depois que ela se mudou para o internato brasileiro de estudantes, nunca mais consegui contato. Prometi me vingar e assim o fiz, infelizmente o ato custou caro e vim parar aqui, local pior que uma prisão se não fosse o chocolate.

Agora anoto todos os meus planos num diário, totalmente seguro e protegido. Os pacientes daqui acreditam ser um livro criminal, deixo que acreditem e muitos me pedem autógrafos, tolos! Escrevo algumas poesias lá, assim ninguém desconfiará de nada. E quem sabe não vira realmente um best-seller? Isso me ajudaria a fugir da polícia, logicamente a Caroline sairia como uma completa louca e viria para cá. É exatamente o que desejo: deixá-la maluca.

Acontece que encontrei um diário com quarenta páginas completas e um aviso:

"QUEIMÁ-LO IMEDIATAMENTE ÀS 20:45!"

Oito e quarenta, dia nove de agosto, noite em que fui presa neste quarto escuro de lobos! Todo plano dela está neste caderno. A querida acredita que está em chamas, já desintegrado. Tola! Os médicos já sabem de tudo e eu escolhi ficar aqui. É isso mesmo!

Decidi ficar aqui para conseguir executar o plano. Amanhã às oito da manhã terei alta, mas fico aqui no turno da noite para "tomar meus medicamentos", também outra parte do plano. Por incrível que pareça, Carol tem uma inimiga aqui: minha médica Cláudia.

Cláudia é médica e fez faculdade de medicina com Carol. Caroline era obrigada a cursar a faculdade, então sentia inveja da colega, pois Claudinha se destacava entre todas as alunas. Namorada de Marcos, quando descobrira seus crimes, terminara o noivado com aliança jogada no chão. Foi na frente de toda a faculdade, tremenda humilhação para sua cúmplice Caroline.

Minha médica lançara um livro sobre medicina. Ganhara um concurso geral e humilhou Caroline, escritorazinha que ficou em décimo lugar, ganhando apenas a publicação de seu livro que era digital na época.

Decidira, então, criar uma resenha negativa num aplicativo, colocando apenas duas estrelinhas. E daí? Nada. Fracassou, sua rival ganhara cada vez mais leitores, boas avaliações e prêmios na área de medicina.

Carol trancou a faculdade, foi para Direito e lá fez mais um inimigo. Ainda quero conhecê-lo e saber podres sobre, muitos dizem que foi uma pedra no sapato da querida escritora Caroline, preciso saber mais a respeito.

O fato é: Carol está na mira. Eu estou com fome de acabar com sua vida, carreira, falsos amigos e sanidade. Aquela poeta infeliz e de má qualidade vai se arrepender de tudo que fizera comigo, com sua amiguinha Claudia e até com sua irmã, outra pessoa detestável, mas que não merecia tamanha desgraça.

Até outro dia, Carol.

Fico por aqui.

Hora da alta. E do café.

Bom dia. 

O Mísero Diário da EscritoraOnde histórias criam vida. Descubra agora