Capítulo nove - Queimar este diário durante a ceia

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07/05/2020

Mísero diário, boa noite.

Hoje é a ceia do aniversário de Caroline. Sei que ela tentara me matar, então comprei um presente especial. Ou melhor: achei um presente inesquecível.

Quis queimar seu diário, aquela infeliz! Felizmente sem sucesso. Agora terá uma surpresa mais que incrível, talvez um show de horrores com um laçarote vermelho, feito da melhor marca de papelão já existente.

Enquanto isso, diário, relembro uma conversa que tivemos na infância. Algo doce como um jiló caramelizado.

– Maninha, vamos brincar de crime?

– Não gosto, Carol.

– Ah, Lu, por favor, vamos brincar de crime, vamos!

– Quero brincar de boneca.

– Ah, é?

– É sim, Carol, quero fazer um desfile de moda com minhas bonecas. – Respondeu LC.

– Olha o que eu faço com suas bonecas!

E foi assim que ela molhara todas as minhas bonecas! Éramos muito, muito pobres e nunca pude ter outras, estragaram e ficaram horríveis, feias, tanto que sofri muito na escolinha, todos riam das bonecas. Caroline sempre me envergonhou, assassina por natureza, desde criança. Não conseguira me levar pelo mesmo caminho.

Denunciei Caroline e deu certo, todos os seus crimes estavam naquelas folhas que seriam queimadas! Ainda consegui contato com uma antiga inimiga sua, muito bondosa, me cedeu outras provas ainda mais cabeludas. É o fim do jogo. Acabou!

Agora posso retornar para minha Editora, trabalhar em paz e contratar outra faxineira de meu agrado. Deixo aqui mais uma lembrança de infância atormentadora, quando minha maninha envenenou meu peixinho de estimação, levando bronca e castigos de nossa mãe.

– O que você fez, Caroline Ferreira! – Gritou minha mãe, totalmente decepcionada.

– Eu envenenei o peixinho dela, mãe. – Confessou Carol.

– Menina, mas que pestinha, qual futuro você terá fazendo isso? – Bronqueou a mãe. – Sua irmã é tão estudiosa, carinhosa, você só tem a perder!

– Eu odeio minha irmã! – Chorava Carol. – Odeio!

– Está de castigo, castigo agora, vá para o canto do pensamento!

– Você vai ver só, Lu, vai ver só! – Dizia Carol em voz alta.

– Desculpa, maninha, desculpa! – Chorei assustada.

– Vai me bater, mãe? – Perguntou Carol.

– Não acredito em violência, agradeça por isto.

– Sua boba! – Exclamou Carol, cuspindo em meu rosto.

– Ela cuspiu em mim, mamãe! – Chorei entristecida.

– Como você aprendeu essa bobagem, Carol?

Caroline chorava incansavelmente. Nossa mãe secara as lágrimas e indagava:

– Minha querida, o que te faz ser tão cruel assim, diz pra mamãe.

– Eu nunca serei feliz!

– Será sim, vamos, vamos comer um biscoito.

– Não posso, vou para o cantinho do pensamento.

Carol foi por conta própria para lá, cabisbaixa e com fúria nos olhos. Mamãe não entendia, mas levara uns biscoitos para degustação e um leite com açúcar. Eu tomava um suco de laranja e comia chocolates, enfrentando o luto do peixe.

Entenderam bem, não é? Agora, diário, deixo aqui um poema que escrevi aos quinze anos, muito triste e lamentando a morte do meu único melhor amigo, assassinado cruelmente à queima roupa, desconheço o assassino ou assassina, mas tudo me faz pensar que fora Caroline.

TRISTEZA

Tristeza, tal lamentação seria íntima.

Pena de rosas vermelhas, sangue d'algum canto.

Morte, morte que lamenta, morte que machuca!

Adeus ao amigo, ao menino,

Menino que suja de lama,

Menino que joga bola,

Menino que come biscoito,

Brinca com bonecas e joga xadrez.

Menino que canta, dança,

Que morreu em homicídio,

Que era adolescente,

Que escrevia livros.

Adeus ao pobre garoto,

Que morreu de desgosto,

Pela maldade do mundo,

Pelo chorar da vida,

Pelo vermelho do crime,

Pelo suspiro da tinta.

Agora, diário, preciso me despedir. Amanhã o castelo de areia da pobre assassina vai desmoronar. E eu, do outro lado da praia, assisto com minha pá.

Assinado: LC. 

O Mísero Diário da EscritoraOnde histórias criam vida. Descubra agora