De volta as origens

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Ellie Chu estava cansada. Abriu os olhos lentamente, tentando se adaptar a luz do dormitório. Sua colega de quarto, Brenda, ja devia estar bem longe dali, se empanturrando da torta holandesa de sua avó;
- Especialidade da familia Giggs! - ela falava com a voz fininha e irritante enquanto enrolava os cabelos escuros nos dedos.
Ellie sentiria falta dela e das piadas com as roupas de Ellie. Ela já havia até tentado fazer com que a menina experimentasse coisas novas mas.. bem, não deu muito certo.
Hoje era o grande dia. De volta pra casa. O final do semestre letivo sempre marcava Ellie de alguma maneira. Antes, nas férias escolares, por não ter dinheiro para voltar para casa, costumava ficar enfurnada em seu quarto fornecido pela Grinnell, lendo durante horas a fio até cair no sono. Hoje, marcava a sua volta para um lugar que não sabia mais se conhecia tão bem.
Ellie ouviu o barulho da notificação do celular,  levantou e colocou os oculos para enxergar a nova mensagem que havia recebido. Era Paul.

"🌭🌮😋 Hoje a noite! xx"

Ellie sorriu. Sentia falta dele e de seu jeito.. amigável. Engraçado também. É. Engraçado e amigável. Durante todos os semestres, eles haviam trocado mensagens. Pelo o que o menino havia contado, Paul havia conseguido uma bolsa para jogar futebol após a vitória e destaque em seu ultimo jogo, mas sua mãe pressionou e disse.. como era mesmo? Em suas palavras, " A tradição salchiliar é mais importante".
Ellie ficou triste por isso. Lembra dos emojis caracteristicos dele para mostrar seus sentimentos, algo como "😭🥺😥⛹️‍♂️😩".
Ellie aprendeu muito sobre emojis neste tempo.

Subiu no trem que levava até a estação em frente a sua casa em Squahamish. Observava enquanto Iowa ficava para trás, o vento lá fora fazendo com que a copa das árvores farfalhassem violentamente. Se sentia.. estranha. As palmas de suas mãos estavam suadas e sua boca seca. 2 anos. Era o tempo que estava fora. Muitas coisas haviam ficado pra trás. Os sentimentos conflitantes em torno da relação com seu pai, as duvidas sobre quem era, o ensino médio em si. Grinnell fez com que lesse mais Sartre do que nunca, conhecesse pessoas com as quais não quiserá estabelecer nenhum vinculo duradouro, e que descobrisse que Chili feito da maneira certa era bem gostoso. Fez com que se notasse mais. Seus gostos e vontades. Se permitisse mais. A unica coisa que não mudará era a garota que dominava os pensamentos de Ellie, chegando de fininho antes de dormir e indo embora ao amanhecer, sendo infelizmente consumida pelos afazeres da faculdade. Ellie gostava de pensar nela, imaginar como estava. Ela e Paul não entravam muito no assunto, e da ultima vez que ele abordou a garota era para comentar que ela ia em domingos alternados nos cultos da igreja. Ellie apenas murmurou um "Legal." e encerraram o tópico.

Seu pai estava do lado de fora da casa, esperando o trem. Ellie desceu lentamente, carregando sua mala pesada com certo esforço. Sentiu a brisa da pequena cidade no rosto. Percebeu como os ares eram diferentes, cada um carregando uma história. Parou em frente a seu pai. Ele havia envelhecido, alguns fios brancos aqui e ali. Sentiu os braços do homem envolvendo ela, a respiração curta no pescoço. Ellie soltou a mala e retribuiu o abraço, não imaginando o tamanho da saudade até aquele momento. Ficaram assim por alguns instantes, até serem interrompidos por um pigarro.

- Hmm, oi. - Paul estava parado a uns 3 metros deles, vestido com um grande suéter azul e calças meio largas. Sorriu timidamente e ficamos nos encarando por um tempo, até que eu soltei um sorriso também. Havia sentido falta dele. Me acostumei com sua presença quase diária antes da faculdade, e não te-lo por perto foi esquisito. Dei um abraço meio solto nele pois me sentia extremamente desajeitada fazendo aquilo. Trocamos algumas palavras sobre a faculdade e ele se despediu, informando que precisava ajudar em casa. Subi para o meu quarto e me senti em casa pela primeira vez em muito tempo. O cheiro, minhas coisas, a cama, a textura da parede. Aquela local nunca pareceu tão meu e eu havia ansiado por ele. Me sentei na cama e tateei embaixo da cama em busca do instrumento. Senti suas cordas e puxei o violão, acariciando a madeira lisa e observando mentalmente seu peso. Comecei a dedilhar aleatoriamente uma melodia que meu pai me ensinara quando ainda era criança. Dedilhava, dedilhava..
Meu telefone tocou com o som de uma nova notificação. Peguei o celular e desbloqueei, meu coração quase saindo do peito com o que vi.

DiegaRivera: Hey, fiquei sabendo que voltou hoje.. Não me ache stalker, Paul que me contou.. hmm, como você está?

Ellie Chu ficava nervosa poucas vezes, mas essa era uma delas. Começou a suar frio e sentiu sua barriga doer. Se sentiu idiota por aquilo e começou a entrar em pânico. O que deveria responder?
Escreveu sem pensar.

SmithCorona: Hey, voltei sim, estou bem e você? Como vai a faculdade?

A resposta foi imediata.

DiegaRivera: Foi meu último semestre também, devo estar voltando definitivamente na semana que vem..

DiegaRivera: Podemos nos encontrar? Você escolhe o lugar. Gostaria de te ver, Ellie Chu.

O coração de Ellie já havia saído pela boca pelo menos 10 vezes. Queria responder que sim, poderiam. É claro que sim. Queria dizer que durante 2 anos ela não havia saido de sua mente. Que a lembrança daquela beijo e de seus lindos olhos estavam cravados na sua mente. Mas ao invés disso, citou Sartre.

SmithCorona: O desejo exprime-se por uma carícia, tal como o pensamento pela linguagem.

SmithCorona: Com certeza.

Half Of My Heart - Sequel de "The Half Of It"Onde histórias criam vida. Descubra agora