Retoques

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     Foi por impulso as primeiras decisões e considerações do negócio. Aceitar telefonar para o homem ainda naquele domingo tirou o técnico de sua plena calmaria e sossego; e só o fez porque a mulher insistira um bocado. Ainda a tarde o telefone tocou no número do corretor Assis, que não atendeu. Passado algumas horas, por volta das 20:00, Assis telefona de um número privado. Eduardo não tem costume atender telefonemas cuja identificação com da pessoa esteja oculta. Mas desse ele atendeu, de certo por ser domingo e os operadoras de marketing e telefonia, em sua grande maioria interessados em vender planos, não estarem operantes. O sujeito se apresentou sem muita formalidade. Apresentara-se brevemente, pedindo informações básicas e oferecendo uma casa elegante e menos modesta - ele tinha o perfil, garantia Assis sem nunca tê-lo visto antes. Foi como se Assis estivesse esperando esse momento, esse telefonema. Eduardo era o home ideal para residir na casa que agora estava sendo negociado por Assis.

     Dois dias depois, numa manhã chuvosa, Assis recebia Eduardo em seu escritório. O homem parecia visivelmente cansado, os olhos abatidos, o corpo pendendo à frente tamanho cansaço físico. Um dia e meia de extenuante trabalho, relataria ao corretor tentando ao menos abrir um sorriso. Mas sorrir para Assis é o mesmo que sorrir atirar uma moeda num poço: não tem volta. 

     ENTRE SEM BATER - era a placa pendurada na porta da casa. Não se parecia em nada a um escritório de contabilidade. 

     Entrou. Não havia luz no recinto. Assis apareceu, carregava uma vela num castiça. ofereceu uma poltrona para seu oportuno cliente se sentar. Perguntou a Eduardo se um vinho lhe apeteceria, mas Eduardo dispensou. Assis assentiu, deixou o castiçal de lado e foi se sentar na poltrona mais adiante. A luz de vela era amarelada, o que em contraste com o tom escuro da pintura do recinto propagava muito pouco luminosidade. 

     - Desculpe meus olhos - disse Assis - estou muito resfriado. 

     Mas Eduardo não observou os olhos daquele homem porque era impossível enxergá-lo a baixa luminosidade e distância. Mas era, a que tudo indica, olhos pequeno, miúdos, cintilantes. Olhos de alguém muito pertinente, mas que por se portar daquela maneira, dava-lhe um tom felino ao mesmo tempo repugnante, ou mesmo assombroso. Por que esse distanciamento? 

     Quanto a oratória e interlocução de ideia, Assis dirigia muito harmoniosamente a fluides de seus pensamentos. Se expressava como nunca Eduardo havia visto antes. A única diferença, ainda intrigante e relutante, era esconder os olhos. que teria na vista? Uma marca de nascença?

     O combinado estabelecido naquele encontro foi mostrar a mansão a Eduardo no domingo seguinte. Em menos de uma semana tinha tomado nas mãos o cartão de visitação do corretor e no domingo próximo adentrara a mansão. Todavia, aquela quantia suculenta em dinheiro, a preços vis de valor de mercado, aquela engenhosa ideia do pai se reformulando dentro de sua cabeça e o relacionamento perdendo as muletas o fizeram aceitar, pelo menos, como muito instruiu a lábia de Assis, visitar a residência sem qualquer compromisso. 

     "Ela é apaixonante. Ainda mais para quem tem filhos. Espaço descomunal", acrescentou Assis. 

     Seguiu-se o dia da visita ao domingo, a esposa e o filho indo visitar num segundo momento e, o que viria mais tardiamente, o negócio sendo fechado no mesmo lugar que conversaram à luz de vela.  A mansão tinha um novo morador e seu nome era Eduardo Maria.

     Feito negócio, o início da mudança logo se estabelecera. Assis chamou dois homens para remover todas as quinquilharias que a casa abrigava dos antigos moradores, dando especial trato ao porão, piscina e sótão. Foram orientados por Assis sobre a a piscina:

     - Despejem toda a água, limpem os azulejos com água sanitária e cloro. Não precisa colocar pra encher, eu mesmo faço depois. 

     Os homens obedeceram. chegaram à mansão as 9: 00 de uma segunda-feira. Se tudo desse certo, as 17:00 tudo estaria na parte externa, aguardando o caminhão de lixo carregar toda aquelas tranqueiras obsoletas. 

A mansão da rua ao ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora