Retoques II

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     Por entre objetos inúteis largados e aprofundados à deriva no interior do sótão, resgataram da imensa e penosa escuridão porcelanas antigas, vasos sanitários, estratos de cama, estantes velhas, livros úmidos e rasgados, vitrola, televisores, aparelhos de som da década de 80, utensílios de cozinha e até mesmo um faqueiro. Tudo foi sendo empurrado pra fora, onde Mario, sempre atendo, revezava sua atenção à remoção e o cigarro pendurado no canto da boca.  Osvaldo ia mais rápido na remoção, mas reclamava a todo instante:

     - Pode parar de fumar aqui, porra? - resmungou - ta empesteando aqui dentro. 

    - Já está acabando - dizia entre um cigarro e outro, e quando trabalhava 5 minutos sem nada preso nos lábios, tornava a acender outro. 

     A remoção das coisas do porão precisava ser concluída ainda na data de hoje. Assis avisou sobre o limite de tempo, tinha a casa para entregar o quanto antes, além, excepcionalmente, dos detalhes do rodapés, estes tomados pelo cupim. 

     Depois de abrir caminho, com toda remoção de objetos obsoletos, iam conectar uma mangueira de água e com sabão limpar todo interior do sótão, incluindo as paredes. A etapa seguinte a limpeza consistia em desinfetar o local. Lacraias e baratinhas cascudas percorriam todo chão cimentado em busca de um refúgio. Em vão.  As que vinham na direção dos homens eram esmagadas friamente. Não há ponderações para pragas peçonhentas rastejantes, e  até  aranhas foram degoladas. 

     - Tenho pavor dessas aranhas pernudas - falava Osvaldo com um espanador de parede - e se parecer um escorpião?

     - Não fale asneiras, cara.

     Continuaram. Desta vez em silêncio, a lâmpada conectada externamente oscilando devido ao mau contado no interruptor, ora intermitente, ora apagando por ligeiros segundos. 

    - E essa agora? 

     - Você conectou direito?

    - Não estava assim, ora - resmungou Mario, passando pelo irmão e subindo a escada em direção à saída.

         Mario desconectou de uma só vez a tomada e a luz no interior do porão se extinguiu. 

     - Oh, seu desgraçado, ligue esta merda!

     Mario riu. O fio parecia operar normalmente, tal como o interruptor. Não entendeu a razão da perde de conectividade, e, inserindo novamente no interior da tomada, esperou que voltasse a funcionar, mas não funcionou. Não houve luz. 

     - Vou ter de ir ao carro, Osvaldo - berrou para o irmão que ainda permanecia no interior do sótão - saia e me espere aqui  fora. 

     Lá dentro, imerso em total escuridão, Osvaldo virou os calcanhares em direção à saída e, para sua surpresa, não viu a saída. 

     "Que merda é essa?", pensou ao andar lentamente, o medo de topar a canela num objeto caído por ali. Mas apesar da a'rea de escavação e emoção estar quase toda limpa, ele não conseguia andar com facilidade, tendo a sensação de estar encurralado. 

    - Merda, Mario, essa brincadeira não tem a menor graça - disse - abra a porra da escotilha. Está me ouvindo? Tá completamente escuro aqui, não vejo nada. A luz do sol, deixe-a entrar pelo menos.

     Nenhum resposta.

     - VOU TE ENFIAR A MÃO QUANDO SAIR DAQUI, SEU DESGRAÇADO. ESSA BRINCADEIRA NÃO TEM GRAÇA - disparou, e o som ecoou como se o interior do sótão fosse muito maior do que era. Agora ele começou a ficar assutado. Não sentia medo, apenas um pouco assustado, pois deu três passos no caminho da volta e parecia estar numa estrada escura e desértica. 

A mansão da rua ao ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora