Essa história começou em março de 2005, nós nos conhecemos em um daqueles dias frios, com bastante vento, mas com raios de sol acolhedores que só o outono tem. Estávamos na minha estação preferida e há alguns dias do meu aniversário de 11 anos.
Eu tinha mudado de escola, finalmente saí daquele mundo pequeno que era meu bairro e as proximidades, a escola dos primeiros anos do fundamental e fui estudar no centro da cidade, em uma escola onde as pessoas mais novas estavam na quinta série (atual sexto ano), como eu. Na outra escola eu podia me considerar até popular, todos nos conhecíamos desde a pré escola, havíamos crescido juntos, eu sempre fui conhecida como a nerd da escola, participava de todos os eventos e gincanas, estava em todas as peças de teatro e era até a Miss Primavera da escola. Agora eu era apenas uma novata, perdida no meio de uma escola enorme, com pessoas estranhas (a maioria dos meus colegas foi pra uma outra escola, mais perto dos nossos bairros, mas a que eu estava estudando era conhecida como a melhor escola da cidade e eu fiz questão de estudar lá) e muitas matérias novas, professores novos, não era conhecida por ninguém e também não me destacava em nada.
Sempre fui alta, e era bastante magra, herdei do meu avô paterno um nariz levemente adunco, que sempre me lembrou um bico de tucano e na época eu tinha os cabelos curtos e encaracolados, parecidos com uma juba de leão. Eu sempre me achei estranha, e era bastante comum as crianças da escola inventarem apelidos por causa do meu cabelo crespo, da minha magreza excessiva ou apenas porque eu era a aluna esperta que todos resolviam não ir com com a cara. Pra ajudar, sou bastante tímida. Meus amigos dizem que não, mas a verdade é que sou muito aberta com quem eu conheço e gosto, e para eu gostar de uma pessoa é fácil demais. Mas eu não saía oferecendo minha amizade, sabe? Eu me sentia até meio excluída, eu achava melhor ficar no meu canto... Com os meus livros.
Sempre amei ler, desde bem pequena, fui a "rata de biblioteca" por todas as escolas que passei, mesmo ali, onde as aulas haviam começado à apenas um mês, eu já era conhecida da bibliotecária. Acabei não gostando das aulas de educação física, que resumidamente eram uma quadra para as meninas jogarem vôlei e uma para os meninos jogarem futebol. Cadê o basquete? A ginástica? O handebol? As cordas? Adoro pular corda. Na antiga escola a professora passava bastante ginástica, esportes diferentes e brincadeiras como queimada, pular corda, bambolê e etc., mas na quinta série eu precisava escolher entre jogar vôlei ou futebol. Eu sempre odiei vôlei, acho chato e não consigo gostar. Mas adoro futebol! Porém, você não imagina a minha decepção quando os meninos me disseram que eu não podia jogar com eles, que lugar de menina era na quadra de vôlei. Um absurdo, não? Reclamei com o professor, claro! Ele me disse que era injusto e que poderia obrigar os meninos à me aceitar nos jogos, mas que eles iam querer me prejudicar ou me machucar, pois eles organizavam times e disputas entre si e eu atrapalharia todo o campeonato na visão deles, mas que a decisão era minha. Como eu fujo de briga e discussão, simplesmente me conformei e agradeci ao professor, dizendo que preferia evitar atritos e que eu ficaria muito feliz se pudesse ir para a biblioteca. Ele sabia que caso não permitisse eu teria que ficar no banco olhando as meninas jogarem, então concordou.
Como eu amo o outono e a sensação do vento e o calor do sol na pele, eu pegava os livros na biblioteca e ia ler ao ar livre, em um banco próximo às quadras. Até que um dia ela apareceu. Eu estava lendo, bastante concentrada em um romance policial cheio de mistérios, e nem percebi que alguém estava se aproximando de mim. De repente eu escuto uma voz forte e doce ao mesmo tempo me perguntando:
- Você está lendo a bíblia?
Foi uma pergunta totalmente inusitada (nem tanto, se eu considerar que o livro era bastante grosso e tinha uma capa dura e roxa sem nada escrito nele), e eu só não revirei os olhos e ignorei a pergunta porque aquela voz era muito bonita e me causou uma sensação completamente desconhecida, então eu levantei o livro sobre o rosto, para bloquear os raios de sol e poder olhar para a dona da voz acima de mim. Era uma garota aparentemente mais velha, deveria estudar durante a manhã e por algum motivo ter continuado na escola até mais tarde. Ela era tão bonita! Era alta, aparentemente mais alta que eu (eu estava sentada no banco), gordinha, cabelos ondulados que batiam na altura do queixo e eram pintados de vermelho, olhos castanhos bem clarinhos e cílios imensos, a boca fina, duas pintinhas acima dos lábios e um nariz triangular, que naquele rostinho redondo a deixava parecida com um ursinho de pelúcia. Eu inevitavelmente sorri pra ela e disse:
- Não, eu não estou lendo a bíblia.
Eu não posso dizer que meu mundo parou e eu senti que a amava e queria casar com ela, ali, naquele instante. Eu nem sabia ainda que podia me apaixonar por uma garota, mas eu gostei dela, de um jeito que eu não soube descrever. Tinha algo nela que me chamava a atenção, e eu não era capaz de entender.
Ela perguntou se podia sentar comigo, eu concordei e comecei a falar apaixonadamente sobre o a história do livro:
- Na verdade esse é um livro onde um ex militar é acusado de cometer assassinatos em série, pois todas as vítimas são ex-funcionárias do exército com quem ele já teve contato e que deram baixa depois de sofrerem abuso sexual.
- É, definitivamente você não está lendo a bíblia!
- Não mesmo! O assassino mata as vítimas de uma forma que o legista não consegue identificar, e todas elas são encontradas na banheira da própria casa, com litros e litros de tinta verde de camuflagem.
- Parece interessante!
- Eu estou adorando! Ah, eu sou a Bela, muito prazer.
- Meu nome é Aline, mas eu gosto de ser chamada de Nina.
- Nina. Eu gosto desse nome, é bonito.
Nisso ela sorriu e continuamos conversando, trocamos informações, idades, gostos... Ganhei um apelido que marcou muito a minha adolescência: bruxinha (e olha que ela nem sabia ainda da minha paixão por todo o universo de Harry Potter). Ela disse que eu tinha cara de bruxa. Mal sabia que era eu quem estava sendo enfeitiçada ali. De fato ela estudava em um horário diferente do meu, e naquela época não usávamos as redes sociais como hoje. Mas sempre que nos encontrávamos nossas bocas sorriam e nossos braços se apertavam em um abraço maravilhoso. Ela dizia:
- Bruxinha!
E eu respondia:
- Nina!
E então nós conversávamos, quando tínhamos tempo sentávamos para papear, mas na maioria das vezes eram encontros rápidos e conversas básicas. Ela sempre aparentou ser lésbica, mas nunca conversamos sobre isso. Isso nunca foi assunto, nossas conversas não eram sobre namoros ou coisas assim, talvez porque ela soubesse que eu era apenas uma criança. Eu já havia beijado alguns garotinhos por aí, mas foram apenas uns selinhos inocentes, coisa de criança mesmo. E eu nunca tinha parado para pensar se a Nina namorava ou não, isso não me interessava, e sim, saber quando eu a veria outra vez. Mas ela foi mexendo comigo, era tão bom abraçar aquela guria, o cheiro dela era bom, o sorriso dela era bonito, eu gostava do seu bom humor e eu não estava entendendo aquilo. Ela não era a minha melhor amiga, nem éramos tão próximas assim, era uma conhecida, mas eu gostava muito dela e sabia ser recíproco. Sabe quando gostamos de alguém assim, de graça? Bom, não foi algo que eu ficava martelando e pensando sem parar, isso não é nenhum romance água com açúcar do Nicholas Sparks. Eu vivia a minha vida, ia descobrindo o mundo, as coisas, as pessoas e me descobrindo também. Quando eu a encontrava, vinha aquele sentimento bom e estranho ao mesmo tempo, aquela coisa indefinida que eu ainda nem sonhava ser amor.
Sabe? Eu acredito que durante nossa vida podemos amar muitas pessoas. Às vezes até ao mesmo tempo. Mas também nos apaixonamos muito, e amar e estar apaixonado são coisas bem diferentes. O amor fica. Para sempre. Mesmo quando a paixão acaba, mesmo quando o namoro termina, mesmo 30 anos depois, quando tu já viveu sua vida e está satisfeito com suas escolhas, o amor está ali. Existem amores verdadeiros e eles são eternos. Mesmo quando há outros amores em nossas vidas.
E meu amor pela Nina nasceu para ser assim.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Nina ⚢
RomanceBela é uma jovem garota, coincidentemente considerada estranha e apaixonada por livros, assim como a personagem dos contos de fadas. E, também como a personagem, encontrou o amor onde era inesperado. Uma história em tempos atuais, de um amor que é e...