🌄 vinte

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Uma lenta corrosão começou entre Liam e Alma, nenhum problema sério, só umas coisas corriqueiras.

Ela trabalhava como atendente numa quitanda, sempre teve que trabalhar pra sanar as contas que Liam fazia. Alma pediu que
ele usasse camisinha porque não queria outra gravidez. Ele negou, disse que adoraria deixá-la em paz se ela não quisesse mais filhos dele. Respirando fundo ela disse, "Eu até teria se você ajudasse. E além disso, afinal, o que você gosta de fazer não faz muitos filhos."

O ressentimento dela aumentava pouco a pouco de ano em ano: o abraço que ela vira, as viagens de pescaria uma ou duas vezes por ano com Zayn Malik e
nunca tirava férias com ela e as garotas, a inclinação por sair e se divertir, o comodismo de ser mal pago pelo serviço desgastante nos ranchos, sua propensão a dormir assim que deitava na cama, seu fracasso ao procurar por um emprego permanente e decente na cidade ou na companhia de energia, deixaram-na
pensativa e quando Alma Jr. fez nove e Francine sete ela pensou ‘o que estou fazendo ainda com ele?’ se divorciou de Liam e casou com o quitandeiro de Riverton.

Liam voltou a trabalhar nos ranchos, era contratado aqui e ali, nunca ganhando muito, mas gostando de trabalhar com gado de novo, livre pra desistir, pedir demissão se quisesse, e ir pras montanhas às vezes. Ele não tinha nenhum sentimento real, só uma vaga sensação de fracasso, e mostrou que estava tudo bem aceitando ir ao jantar de Ação de Graças na casa de Alma, seu quitandeiro e as crianças, sentando entre as garotas e falando pra elas sobre cavalos, contando piadas, tentando não ser um pai tristonho. Depois da torta, Alma levou-o à cozinha, raspou os pratos e disse que se preocupava com ele e que ele devia se casar de novo. Ele notou que ela estava grávida, uns quatro, cinco meses, ele deduziu.

"Uma vez basta" ele disse, curvando-se sobre o balcão, sentindo-se grande demais para o cômodo.

"Você ainda vai pescar com aquele Zayn Malik?"

"Às vezes." Ela raspava com tanta força que parecia que ia arrancar a
estampa do prato.

"Sabe" ela disse, e pelo tom de voz ele percebeu que alguma coisa estava vindo. "Eu me perguntava como você nunca trouxe nenhuma truta pra casa.
Você sempre dizia que pegava várias. Então uma vez eu peguei sua cesta, na noite antes de você ir numa das suas viagens — a etiqueta com o preço ainda
estava nela depois de cinco anos — e coloquei um bilhete na alça. Dizia ‘Oi Liam, traga umas trutas, com amor, Alma.’ E quando você voltou disse que tinha pego uns lambaris e comido. Lembra? Eu olhei na cesta quando pude e vi que meu
bilhete ainda estava lá e que a cesta não tinha encostado na água."

Como se a palavra água tivesse invocado a mesma, Alma abriu a torneira e a água ensopou os pratos.

"Isso não significa nada."

"Não minta, não tente me enganar, Liam. Eu sei o que quer dizer. Zayn
Malik? Um safado. Você e ele — "
Ela havia passado dos limites.

Ele agarrou-lhe o pulso; lágrimas rolaram, um prato trincou.

"Cale a boca" ele disse. "Cuide da sua vida. Você não sabe de nada."

"Vou gritar pro Bill."

"Vamos, pode gritar. Anda. Vou fazer ele comer terra e você também." Ele apertou de novo e o pulso dela ficou vermelho. Pôs o chapéu e saiu batendo a porta. Foi ao bar Black & Blue Eagle naquela noite, ficou bêbado, brigou e saiu.
Não viu as filhas por um bom tempo, imaginando se elas o respeitariam quando ficassem velhas o bastante pra sair da casa de Alma.

Brokeback Mountain ▪ ZiamOnde histórias criam vida. Descubra agora