Aranha

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   O som dos carros que passavam pela estrada acima do covil da aranha, nome dado por Beka a uma extensão que fez com as próprias mãos no Sul da cidade, se misturava com o som forte da chuva.
   Um sistema de camuflagem impedia os que ali passavam de ver os vários mecanismos, armaduras, exoesqueletos, computadores, deixando os desavisados com a mera visão de uma parede qualquer que se via por toda a extensão dos túneis.
    Lex conhecia bem aquela passagem. Já esteve lá algumas vezes. Essa era a primeira vez em um momento ruim, costumava frequentar o lugar somente por jogos ou receber informações de caçadas.
   Lá estava ele, no velho sofá de couro mofado, com almofadas de cores aleatórias que não combinavam com o sofá, provavelmente encontradas em algum lixão qualquer, assim como o sofá e o resto das coisas que haviam ali, assim como a televisão, o carpete, a mesa de centro e a vitrola que tocava Creep - Radiohead, e logo entra cantando com duas xícaras de café, uma moça de cabelos cacheados e curtos, como um sol castanho, sua estatura era quase dez centímetros menor que Lex e seu corpo de um tom moreno quase caramelo, como se tivesse pegado um bronzeado permanente. Seus pés descalços sentiam o chão frio daquele começo de madrugada e seu corpo quase despido arrepiava com a leve brisa que percorria aqueles corredores imundos.
   — Me diga o que houve. — O entregou a xícara e soprou o café quente de sua xícara próxima ao seu rosto e uma brisa quente que saiu da xícara afagou seu olho que havia sido substituído por um olho mecânico, levando um junto uma parte de sua bochecha e sua sobrancelha, esquerda. Mesmo que com toda a flexibilidade de um rosto e com o costume, Lex sempre estava incomodado com aquele prateado que destruía a beleza da garota.
   — Uma mulher me apareceu atrás de um pedido, porém, fiquei comovido pelo pedido dela, suas filhas haviam sido capturadas sem ter culpa na história. E você entende porque me irritei, não é?
   — Entendo.
   Lex tinha apenas cinco anos. Seu pai havia o abandonado com sua mãe dois anos antes e ela não sabia o que fazer para cuidar de uma criança, pois, além do mais, tinha somente 14 anos quando Lex nasceu. Segundo relatos, seu pai tinha cerca de 42 anos. Sua mãe logo se rendeu as drogas e para sustentar seus vícios e seu filho, começou a vender seu corpo jovial e bem traçado nos padrões para os que pagassem melhor, o que infelizmente não era suficiente para sustentar seus vícios que cresciam cada vez mais.
    Certa vez, um grande empresário viu suas necessidades e seu corpo estonteante e a levou para ser uma de suas serventes que satisfaziam seus fetiches doentios e repugnantes. Mas, continuava ali, já que aquela condição humilhante à ajudava a sustentar seis vícios e seu filho.
   Chapada e bêbada, ela discutiu com seu chefe, o que o irritou. E ninguém, nem mesmo seus concorrentes empresários queriam vê-lo assim, todos sabiam do que era capaz.
   Ele então prendeu seu filho e a ameaçou, dizia que se não fizesse o que ele queria, ele o mataria.
   Ela se entregou. Fez tudo o que ele mandara. Ele pode satisfazer os seus piores fetiches. Os mais horrendos que podemos imaginar. E por fim, ela morreu. Após ter suas unhas arrancadas e seus olhos estudados dentro de sua cabeça, forçados a entrarem por algo e espremidos contra seu cérebro.
   Os médicos encontraram doses enormes de drogas em seu organismo, o tal empresário afirmou que ela enlouqueceu em um dia comum e arrancou suas próprias unhas com os dentre e depois os colocou em seus olhos. As outras garotas não quiseram falar nada, o que aparentava algo escondido. Uma mentira. Porém, como tudo naquela cidade, foi arquivado e hoje está empoeirado no fundo de uma gaveta.
   Levaram seu filho para um orfanato. E alguns anos depois, uma das moças, já jogada fora pela idade. O encontrou e explicou à ele toda verdade.  O que o revoltou e o fez fugir do orfanato, de vários na verdade.
   — Posso passar uns dias aqui? Enquanto não consigo outro lugar?
   — Pode morar aqui se quiser. Aqui pode ser seu outro canto.
   — Agradeço a oferta, mas você sabe.
   — É, sei sim, você é teimoso e babaca. E odeia companhia. O senhor das sombras — zombou.
   Ele sorriu de canto soltando um suspiro.
   — tudo bem, eu vejo. Vou precisar de equipamentos mesmo. Mas como vou trazer o que sobrou para cá?
   — Traga só seu essencial. Equipamento, móveis, comida, eu já tenho aqui, se não tiver, conseguimos.
   O silêncio reinou, simplesmente. Não por falta de conversa, mas por seus sentidos aguçados que todo bom caçador deveria ter.
   Em um pequeno holograma azul que formou-se em sua mão esquerda, Beka rápido abaixou o volume da música e se pode ouvir nitidamente o som de passos que ecoavam levemente nós túneis fedidos do esgoto.
   E então, parou.
   — Relaxa, isso acontece as vezes — disse Beka — deve ser só mais algum bêbado procurando onde dormir.
   — Achei! — soou alto uma voz feminina que ecoou forte no esgoto.
   O rosto de Beka logo foi coberto por um tipo de capacete que também escondia seus cabelos, vários olhos vermelhos na frente do capacete e presas que se curvavam para a frente, deixando seu rosto como o de uma aranha prateada. E dois pequenos braceletes que estavam sob a mesa de centro, atraídos por um forte magnetismo solto, voaram e fecharam em seus pulsos, se espalharam como mercúrio, firmando em suas mãos, luvas com garras de diamante.
   Lex colocou rápido seu capuz e enquanto levantava pegando seu cajado, um rosto veio à atravessar o holograma que simulava perfeitamente o muro cheio de musgo e podre do esgoto.
   Coberto por couro de animal como em faixas finas que cobriam sua boca até o nariz. Seus olhos brilhavam fraco, porém, suficiente para não poder dizer se ali existia algo além do brilho em tons leves de azul e um cabelo negro e liso, com diversas tranças finas em algumas partes.
   O cajado de Lex, foi precisamente arremessado para um golpe fatal em seu rosto, sem explicações, sem desculpas, somente a preocupação da sobrevivência.
   Um pouco abaixo do rosto, surgiu uma mão, com sua palma e costas também enroladas com finas tiras de couro marrom e com pelos curtos suficiente para serem notados somente vistos de perto, mas que cobriam completamente a base do couro sem deixar brechas. E firme segurou o cajado.
   Uma pequena alteração na face do intruso mostrou que por debaixo daquele couro, o mesmo sorria.
   — Oi, enfim achei... — não pode terminar a frase com sua voz aguda e melodiosa o tal intruso e da ponta do cajado, foi expelido um tipo de gás que apagou o ser imediatamente.
   A queda o fez revelar todo o corpo que ainda estava fora do holograma. Um corpo feminino foi exposto, em suas costas uma enorme pele inteira de urso, provavelmente usada para disfarces ou para se aquecer. O pobre urso nao tinha mais a pele de sua barriga até seu pescoço. Seus olhos se apagaram e olhos em uma mesclagem de verde com castanho logo se fecharam. Um grande machado caiu de sua bainha e deslizou pelo carpete velho até próximo os pés de Lex.
   — É uma garota. — disse Beka desativado seu equipamento.
   — O que faremos? Ela pode ser perigosa.
   — Ela parece uma criança.
   — E daí? Você também parece. E pelo machado e a pele de urso, ela deve ser algum tipo de caçadora.
   — Vamos levá-la para aquela sala. Talvez seja melhor.
   Beka seguiu devagar até ela e pondo os dedos sob seu pulso, não sentiu batimentos cardíacos.
   — Puta Merda Lex, ela morreu.
   — Não pode, essa substância não é letal. — ele levantou sua pele de urso podendo ver suas costas — É, temos um problema.
   Em suas costas haviam dois relevos enfaxados, como se algo que estava ali tivesse sido arrancado.
   — Ai meu pai.
  

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⏰ Última atualização: Jun 16, 2020 ⏰

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