Paciente

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Conto escrito em parceria com SoulFarAway 💙 na terceira fase da Copa dos Contos: Desafio em duplas, tema: 24 horas de um (ou mais) enfermeiro (a) (s) em um hospital.

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— Preparem um respirador, agora! — O médico saía da ambulância e gritava ao chegar com mais um paciente em estado grave.

    Era o vigésimo terceiro em menos de doze horas. Mais uma vez, ela sentia sua garganta rasgar ao dizer aquela frase:

— Nós não temos mais leitos, estão todos lotados.

    Ainda no corredor da unidade, depositaram o homem trêmulo, que tossia de forma carregada, e entregaram o que tinham: um ventilador pulmonar manual.

— Um, dois, três! Pausa. — Ela e a colega pressionavam a bomba que levava ar para o ventilador em ritmo compassado, enquanto dois enfermeiros o deitavam de bruços para que seus pulmões expandissem.

    Ficaram ali mais de hora, os braços dormentes pelo esforço e a estafa em níveis alarmantes, resultado de dezenove horas de trabalho contínuo. Ela não sabia mais como seguia trabalhando, de onde vinha a força que a mantinha de pé. Seus colegas adoeciam, física e mentalmente. Sempre mais pacientes chegando e menos profissionais para tratá-los, menos equipamentos disponíveis...

— Levem-no para a UTI, temos uma vaga. — A médica informou, mas, pelo seu tom de voz, a equipe sabia que não se tratava de um paciente recuperado. Rapidamente o levaram, em meio às dezenas que jaziam no corredor.

    Ao contrário do que assistia nas séries, aquele era um lugar silencioso, triste e, ultimamente, emanava o cheiro da morte. Seu ambiente de trabalho não era aquele, sua rotina não era aquela, mas, com o advento da doença, todos foram realocados.

    O paciente recebeu ventilação mecânica em decúbito ventral, por ser adulto com SDRA grave. O plantão não terminou em 24 horas, mas sim depois de trinta e duas. Uma mulher em estado gravíssimo ainda teve que ser preparada para uma Lobectomia Superior Direita de emergência.

    Finalmente em casa, o conceito de paciente parecia se inverter em sua mente. Ela também precisava de cuidados, mas estava sozinha, isolada do restante da família.

    Olhou no pequeno espelho barato, de moldura plástica, do banheiro improvisado pelo pai na área de serviço. A área de serviço tinha entrada separada, então colocaram uma cama para ela lá. Seu rosto carregava as marcas das noites mal dormidas e das máscaras de proteção, em vários tons de roxo e vermelho.

    Se despiu e deixou a água quente confortar seu corpo extenuado. Minutos depois, a mãe bateu na porta: trazia seu almoço. Trocaram um olhar de carinho e algumas palavras, à distância, na incerteza da contaminação invisível. Comeu e desmaiou num sono sem sonhos.

    Algumas horas depois, acordou novamente. Era noite. Seu celular tinha 291 mensagens não lidas do grupo do hospital. Mais casos, falta de equipamento, outro colega infectado. Mensagens animadoras de Serena, que sempre reforçava a vocação da equipe, na luta pela vida.

    Chorou em silêncio. Estava tão angustiada, mas, ao mesmo tempo, tão certa de estar cumprindo sua missão! Se houvesse um tribunal para julgar as ações dos vivos após a morte, colocaria seu coração na balança com toda tranquilidade. Porém, naquele momento, ele ainda pesava. Muito.

Contos - Copa dos Contos Edição 2020 -AOnde histórias criam vida. Descubra agora