Sarah's POV:


Mais uma quarta, mais uma sessão de terapia. Vou contra a minha vontade esses dias, não acredito mais nisso.

Faz 3 anos que eu quase morri e não lembro de absolutamente nada, e cada dia de terapia é uma tortura interminável e uma luta que eu não consigo vencer contra a minha própria mente. Não recomendo.

"Como foi a semana, Sarah?" - Perguntou Karen, minha terapeuta.

"Um desastre, quebrei um dos poucos pratos que tenho em casa." - Respondi.

Karen riu.

"A vida morando sozinha está difícil, querida?"

"Você não imagina. Um dia você acorda e a pia da louça triplicou durante a madrugada... Realmente inacreditável." - Falei, pensando que ainda tinha que lavá-las hoje.

Depois do segundo ano de faculdade, arrumei um estágio e decidi alugar um apartamento mais perto da universidade com o dinheiro que estava recebendo. Não era muito, mas meus pais me ajudavam todo mês também. Ficava mais fácil pra todos, afinal, eles não estavam mais acostumados à questionar minhas decisões depois do acidente.

"Alguma lembrança voltando à sua mente esses dias?" - Karen perguntou.

"Nada, só o que outras pessoas me contam."

Fui levada instantaneamente pra quando Dylan, meu irmão, conseguiu me passar algumas informações do ponto de vista dele no dia do acidente, mesmo contra todas as indicações dos médicos.


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3 anos antes, no dia do acidente.

Dylan's POV:

"Ah, droga! Perdi essa fase também!"

Fiz uma careta e ao mesmo tempo senti minha barriga reclamar de fome.

"Meu deus, que demora insuportável. Será que ela foi fazer a própria comida, ou o quê?" - Reclamei da demora da minha irmã.

Olhei no relógio do meu Nintendo e percebi que já tinha passado mais tempo do que eu imaginava e a Sarah ainda não tinha voltado. Aquela idiota! Será que ela foi atrás dos meus pais e me deixou aqui sozinho para ver o barco?

"Dane-se isso!" - Levantei da mesa e sai pra procurar alguém da minha família.

Acabei me distraindo com a grande quantidade de pessoas acumuladas no deck de fora do navio e fui me aproximando pra ver o que tinha acontecido.

"Jesus, o que vai acontecer agora?"- Alguém lamuriava.

"Alguém consegue ver os dois?!" - Outra pessoa falou.

"Já avisaram o pessoal da segurança do navio, vamos esperar!".

Senti um friozinho na barriga e comecei a procurar meus pais, até avistar os dois em uma lojinha de óculos de sol.

"Mãe! Pai! Por que vocês me deixaram sozinho lá na praça de alimentação?" - Perguntei, já irritado com tudo aquilo.

Os dois se viraram, surpresos comigo ali.

"Como assim? Você não estava com a Sarah?" - Minha mãe perguntou.

"Faz mais de meia hora que ela foi pra fila pegar comida e não voltou mais. Saí de lá porque não achei ela e estava faminto!" - Falei.

Meu pai franziu a testa, como ele sempre fazia quando alguma coisa o incomodava. A marca que ele já tinha no rosto por causa disso provavelmente nunca ia sair...

"Ah, e alguma coisa aconteceu no deck, então fiquei com medo de ficar sozinho." - Completei.

Minha mãe arregalou os olhos.

"Que coisa?" 

"Vamos!" - Meu pai já puxou a mão dela e todos fomos até o deck.

Agora o lugar estava abarrotado de homens com coletes salva-vidas de uma cor laranja gritante e apitos. Eles conseguiram abaixar um barquinho pequeno e começaram a descer um por vez. Pareciam estar procurando alguém.

"Com licença, o que está acontecendo aqui?" - Meu pai perguntou para um dos homens com colete salva-vidas, preocupado.

"Uma garota por volta de uns 18 anos caiu do deck e outro garoto parece que caiu pra procurá-la, os dois não estão em vista."

"Jesus! Precisamos ligar pra Sarah agora, onde ela foi parar?!" - Minha mãe já estava desesperada.

Apesar de todas as tentativas, ela não atendeu.

Meu pai saiu correndo pelo navio mostrando a foto dela, mas ninguém tinha visto ela lá dentro.

Sentei no deck, tonto com toda aquela comoção. Onde estava a minha irmã? Não pode ser...


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"Sarah...?" - Karen me chamou, depois de algumas tentativas.

"Desculpe, estava perdida em alguns pensamentos."

O que mais tinha acontecido mesmo? Minha cabeça idiota não conseguia lembrar.

Desisto, pensei, ainda absorta em pensamentos.

"Te vejo quarta que vem, certo?" - Ela perguntou.

Eu assenti e voltei para casa mais um dia sem entender nada do passado e com zero progresso. Grande novidade.

Comecei a lavar a pilha de louças da pia como uma boa adulta e suspirei alto. Morar sozinha poderia ser um pouco solitário as vezes também.

Será que deveria ir visitar meus pais logo? Não quero que eles se preocupem comigo. Eles provavelmente já devem ter esgotado a quota de preocupação com filhos para 2 vidas inteiras.

Peguei o celular e comecei a digitar o número da minha mãe quando alguém tocou o interfone.

"Sim?" - Respondi.

"Srta, Sarah, os proprietários do apartamento estão aqui em baixo e gostariam de subir."

Balancei a cabeça para o lado, confusa. Pensava que só tinha um proprietário e ele não morava nessa cidade.

"Hummm, tudo bem. Pode deixá-los subir." - Disse, ainda tentando entender a situação.

Esperei um pouco no corredor, agradecendo a Deus por ter limpado o apartamento um dia antes, incluindo a pia limpa de hoje.

A campainha tocou, estridente.

Caminhei lentamente até a porta e olhei no olho mágico. A imagem estava péssima, mas conseguia claramente ver um homem na frente da porta de terno e reconheci ele de quando eu aluguei o local. Abri a porta buscando entender a situação.

"Boa tarde, Srta. Sarah!" - O homem falou. - "Se lembra de mim?"

O homem não era daqui, ele tinha um sotaque estranho e eu sabia que era asiático pelos olhos puxados. A lembrança era fraca, mas era ele mesmo que tinha me dado as chaves do apartamento.

"Sim, Sr... Lee, certo?" - Perguntei sem graça.

"Sim, será que nós poderíamos entrar?" 

"Nós...?" - Perguntei, vendo só um homem.

"Ah, sim. Meu filho está atendendo uma ligação importante, já estará aqui." - Ele falou, ao se virar e ver que seu filho não estava do seu lado. - "Lá vem ele!"

Abri mais a porta e coloquei o rosto para fora, olhando para o lado esquerdo e o vi.

"Olá." - O filho disse, caminhando lentamente até a direção de seu pai.

Por que ele parecia tão familiar?

Memories of BlueOnde histórias criam vida. Descubra agora