01.1 | ou ❝a injustiçada❞

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Eu tinha demorado muitos anos para me incluir na conta das vítimas de Carlinhos, Stela e Sarah. Talvez por isso eu nunca tivesse procurado dar a eles o que mereciam.

Engolindo o nó imaginário na minha garganta toda vez que eu dava nomes aos rostos que me visitavam todas as noites em meus pesadelos.

Se eu quisesse de verdade, eu sabia que poderia tornar a vida daqueles três um legítimo inferno, como eles fizeram comigo pelos últimos três anos. Vingança.

Respondi o e-mail de David com a senha de acesso que ele tinha me pedido, para que tentássemos invadir o sistema de arquivo das Empresas Avelar, na esperança que teríamos acesso à pesquisa que Lucas fez sobre o incêndio anos atrás.

Como namorada de Lucas Avelar, ninguém me perguntava duas vezes o motivo de eu querer alguma coisa. Eles só... me davam o que eu queria. Eu tinha coletado todas as datas importantes da vida da família nos últimos meses, aniversários dos gêmeos, aniversário de casamento de Edson e Magnolia, tudo que pudesse ser usado como senha.

Agradeci mentalmente o fato de que os Avelar nunca se livravam das vantagens que tinham sobre alguém, e eu pretendia usar tudo isso a meu favor quando o momento chegasse.

Lucas jamais deveria saber sobre o meu plano de vingança. Ele não entenderia. Não faria sentido eu depositar todo aquele esforço para vingar um ex-namorado falecido. Ele acharia que havia algo de errado comigo, convenceria meu pai a me enfiar em algum tratamento psicológico riponga, que provavelmente envolveria mastigar folhas de menta até a minha raiva passar. Zaca provavelmente concordaria com ele, advogado que era da saúde mental depois de seu episódio depressivo.

Além do mais, aquelas eram pessoas perigosas, Carlos Henrique Leal talvez a pior delas. Eu queria A Gangue tão longe de Lucas e de Zaca quanto fosse possível. E sabia que não ia ser uma tarefa exatamente fácil, dada a tendência de Lucas a enfiar o nariz onde não é chamado.

Mas isso era entre mim e eles.

Pagamento. Retribuição. Eu não queria nada além disso, e era até onde eu estava disposta a levar meus esforços. Era bem simples, na verdade. Tudo o que eu precisava fazer era destruir tudo aquilo que eles mais amavam, como eles tinham feito comigo. Eu tinha até uma listinha, na tela do meu computador, colada à área de trabalho para que eu não me esquecesse exatamente o que a morte de Nicholas custaria à Gangue.

Para Carlinhos, sua fortuna.

Para Stela, sua popularidade.

Para Sarah, sua reputação.

Tinha saído barato para eles, e aquele simples pensamento fazia com que meu estômago se revirasse. Até o momento.

Quanto ao incêndio, eles saíram ilesos. O assassinato de Nicholas Jordan, embora não fosse culpa de Stela e Sarah, também não havia custado nada a elas. Carlos Henrique, com sua inesgotável renda e seu sofisticado time de advogados, provavelmente cataria lixo ou pintaria paredes da Fundação Haroldo Santini, como eu tinha feito.

Apesar de a Dra. Mônica (ou "só Mônica", como ela insistia que eu a chamasse agora que era parte da família) ter me garantido que ele terminaria em uma instituição para delinquentes juvenis.

Eu duvidava. Eventualmente todos se esqueceriam do instante em que ele puxou o gatilho e os olhos castanhos de Nicholas viram o mundo pela última vez, mas eu não.

E era por isso que cabia a mim, e não aos outros, fazer esse acerto de contas.

Eu ainda tinha três meses de menoridade, David me lembrava. O tempo estava passando e tínhamos perdido tanto tempo coletando informações, que havia sobrado pouco para agir.

Apesar de eu ter ciência de que minha menoridade penal cessaria, e que se eu não tivesse concluído minha vingança até meu aniversário, eu estaria sujeita a consequências certamente piores do que as que os verdadeiros culpados estavam sofrendo, eu não conseguia enxergar tão além.

Se fosse presa ou algo pior, nada me importava além de impor àqueles filhos da mãe pelo menos uma pequena fração da dor que eles me proporcionaram. Minha lógica era bem simples, já que não importa o que acontecesse comigo, eu nunca mais seria completamente feliz de novo.

Então, se esse for mesmo o meu último conto... a minha última história para contar. Que seja sobre a queda daqueles que causaram tanto sofrimento a pessoas inocentes por suas motivações frívolas. Que seja sobre o que, no fundo de cada coração que foi pisoteado por pessoas ruins, todo injustiçado que não pôde obter vingança pelas próprias mãos.

Eles vão pagar, ou eu não me chamo Valéria Corrêa.

Das Cinzas Às CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora