Capítulo Único: Indomável quente e agridoce

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Zenitsu sentiu o calor no peito pela primeira vez quando foi morar com Kuwajima.

Kaigaku era um rapaz um pouco mais velho do que ele, com cabelos negros como as nuvens de tempestade, olhos azuis profundos e toques que faziam o corpo de Zenitsu se incendiar, a marca de raio no peito brilhando em resposta ao mísero encostar de dedos.

Kuwajima considerou o fato de ter discípulos que eram almas gêmeas como um bom presságio.

Zenitsu não sabia se devia ficar feliz, mas sabia que gostava de olhar para a marca no peito de Kaigaku, que vez ou outra ficava visível por conta das roupas folgadas que Kaigaku usava.

Algumas vezes antes de sair para treinar no meio da noite, Zenitsu acariciava o rosto de Kaigaku, apreciando o modo que as marcas brilhavam no escuro e como ele ficava quente. Apreciava também o rosto e corpo do outro: ele era tão bonito, tão forte, tão diferente de tudo que Zenitsu já tinha visto antes.

Kaigaku tinha lábios com um leve tom rosado, sobrancelhas grossas e expressivas, músculos feitos para proteger. Zenitsu admirava-o mesmo com seu temperamento afrontoso, como se Kaigaku fosse domável.

O primeiro beijo foi fruto de uma discussão por motivos estúpidos, algo que os dois experimentaram em um dia de verão debaixo da sombra das pessegueiras.

Zenitsu não se lembrava o motivo da briga, mas estava lembrado de ter puxado Kaigaku pelo colar para calá-lo - de alguma forma, aquilo fez que os lábios se tocassem. O beijo tinha gosto de pêssego, de lágrimas, de suor; uma combinação tão única e característica de ambos que seria difícil replicar com qualquer outra pessoa.

Lembrava-se perfeitamente do calor irradiando com o contato mais próximo do seu prometido - sua outra metade, sua alma gêmea -, de como as marcas dele e de Kaigaku quase se encostaram no momento, de como Kaigaku o segurou pela cintura mas não o empurrou.

Quando se afastaram, Kaigaku ficou em silêncio e foi se banhar no rio.

Zenitsu sentou-se na grama e teve que esperar alguns minutos para processar o ocorrido.

Foi no meio de uma noite chuvosa que Kaigaku buscou o toque de Zenitsu novamente, como se precisasse dele para respirar. Avançou para o futon de Zenitsu e foi com uma mistura de fome e suavidade - desejo afoito e uma ternura rara - que Kaigaku o tocou, tomou-lhe os lábios, desfez as roupas de dormir.

Ele beijou a marca no peito de Zenitsu como em um ato de adoração; Zenitsu acreditou que estava prestes a entrar em combustão.

Zenitsu tocou-o de maneira recíproca, buscando memorizar cada músculo, cada curva, cada centímetro da pessoa que o destino reservou para si. Encantou-se pela beleza do corpo de Kaigaku mesmo no escuro, pelo modo que ele o chamava pelo nome no pé do seu ouvido, pelas carícias que mesmo desajeitadas eram certas, marcando-o ainda mais como dele - porque Zenitsu era de Kaigaku e Kaigaku era de Zenitsu, como fora acordado desde antes de se conhecerem.

O tempo que passou depois de Kaigaku ter se formado como caçador foi marcado por um vazio errado e avassalador, como se afogar no meio de um lago vazio.

Zenitsu experimentou os toques de outras pessoas; alguns eram bons, outros ruins, mas nenhum era como o de Kaigaku. Nenhum o fazia queimar, o fazia querer se entregar, o fazia se sentir verdadeiramente vivo.

Reencontrou Kaigaku alguns meses depois por um breve momento, após Zenitsu ter comprado briga com outros caçadores de um ranking mais alto que estavam falando mal de Kaigaku.

Foi puxado pela gola do uniforme, sentindo o toque dos dedos alheios raspando rapidamente pelo queixo. Kaigaku o encarou nos olhos e gritou; não precisava ser protegido como se fosse criança e não precisava que Zenitsu se metesse em confusão por conta dele.

Por mais que Zenitsu discordasse das palavras, ele as respeitou.

Kaigaku foi embora para outra missão antes que Zenitsu pudesse ao menos chamá-lo para sair por um instante e conversar sobre tudo o que aconteceu enquanto estavam separados. Naquele dia, Zenitsu o considerou como nuvem de chuva passageira, como a chuva forte que caía em poucos minutos para então dar lugar ao sol.

Nada preparou Zenitsu para encontrar Kaigaku como um demônio, pálido e com a pele definida por novas marcas que não eram como a que tinha no peito - marcas que não deveriam existir, que os tornavam desiguais.

Kaigaku avançou para Zenitsu como natureza em fúria, agressivo e fascinante. Se Zenitsu se achava um mísero raio que caía no meio do nada, Kaigaku era uma tempestade inteira, impactante e belo em sua destruição.

O corpo de Zenitsu queimou e ardeu com o toque bruto, sangrou, rachou. Kaigaku queria desfazê-lo em mil partes, rasgava-o com garras no lugar dos dedos que um dia o fizeram tão bem, marcava-o como dele novamente não com suavidade, mas sim com violência.

Mas Zenitsu não era presa passiva; ele segurou a espada e não a soltou, cortando o pescoço de Kaigaku mesmo que aquilo fizesse o peito doer, como se tivesse perdido parte do que deveria ser dele - e realmente perdeu.

Anos depois, continuava marcado como de Kaigaku, com as cicatrizes das rachaduras no rosto.

Quando estava só, Zenitsu as tocava e imaginava o corpo queimando do jeito que apenas Kaigaku podia fazer queimar. Passava os dedos por elas e pensava que era Kaigaku quem o tocava, doce e gentil, buscando perdão por cada um de seus pecados.

Zenitsu não sabia se o perdoaria naquela vida, mas gostava da ideia de Kaigaku de joelhos, choroso e arrependido, buscando o seu toque e seu afeto como se a falta de Zenitsu fosse matá-lo aos poucos.

Em uma reencarnação, poderiam se encontrar mais uma vez, em circunstâncias melhores. Teriam uma vida sem batalhas e pacata, onde poderiam aproveitar a companhia um do outro debaixo das pessegueiras em dias quentes de verão.

Zenitsu gostava de pensar nessa possibilidade.

Por mais que sentisse falta do calor, ainda carregava as marcas de Kaigaku em si.

Talvez estava destinado a carregá-las eternamente.

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