Capítulo 03 - Foi Real

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O envelope estava em cima da mesa de centro, três dias inteiros tinham ido, eu não havia lido uma única palavra além do título, quando eu ia sair para o trabalho, eu encarava os papéis e quando eu voltava fazia o mesmo, mas eu não dava um único passo em direção ao envelope, eu nem mesmo sentava no meu sofá, como se aquilo fosse tóxico e eu tivesse que ficar a um metro de distância

Ela foi real

- Até amanhã, Heitor - o homem triste acenou para mim, seus olhos estavam alegres de bebida, mas eu sabia que de manhã ele acordaria triste novamente, precisando daquela dose de álcool que ele havia se tornado tão dependente

- Até - fiquei olhando ele caminhar pelas ruas, sempre me dizia que morava ali perto, nunca aceitava a minha ajuda, ele tinha medo de depender de alguém como havia dependido de sua ex, mas não parecia se importar em depender da bebida, se afundando a cada dia, em sua angústia, em sua covardia

Não tão diferente de mim

Depois que fechei todo o bar, entrei no meu carro e dirigi lentamente até meu pequeno apartamento, eu não tinha pressa, pegava os caminhos mais longos, fugia de atalhos, prolongava minha viagem o máximo que pudesse, os melhores momentos que eu tinha eram no meu carro, quando só existia o som do motor e o vento vindo da janela, soprando meu rosto, estar no meu carro era como não estar em lugar nenhum, eu não tinha um ponto fixo, estava sempre em deslocamento, seguindo em frente, era o único momento em que eu realmente seguia em frente

Por mais que eu adiasse a minha chegada em casa, eu sempre voltava para o apartamento, os corredores estavam silenciosos e tranquilos, a minha porta era a mesma há anos, eu a abri devagar, acendi a luz e pela primeira vez em três dias, eu me joguei no meu sofá, olhei para o envelope na minha frente e engoli em seco, sentindo a intensidade daquelas simples folhas em mim, estendi minha mão hesitante e peguei o pacote, os pensamentos que povoavam a minha mente eram sobre ela, Joice tocou naquelas folhas, Joice escreveu todas as palavras que haviam ali, Joice, Joice e Joice, somente ela e nada mais além dela

- Não seja um covarde - respirei fundo, abri o envelope e retirei as folhas de dentro com cuidado, na primeira estava digitado:
Escrito por Joice Viana Alencar

Senti um frio na barriga, com medo de saber tudo que ela tinha feito e passado, algo que ela escondeu de mim para não me machucar, aquilo que havia nos separado, depois de tanto tempo eu tinha a chance de saber

- Preciso de uma bebida - coloquei as folhas de volta na mesa e me levantei, indo até minha cozinha, não eram muitos passos de distância, enchi um copo com whisky puro e levei a garrafa comigo

Só depois de dois copos cheios, eu consegui passar para a próxima folha, li com atenção cada palavra, desde o pequeno prólogo rápido e desesperado, até o dia em que ela dormiu neste mesmo apartamento em que eu residia, tinha sido neste mesmo sofá que eu havia acordado com a garota dos meus sonhos em meus braços, no melhor dia da minha vida, a vez em que nos vimos antes de tudo se tornar confuso para mim

Então... Eu parei de ler

...

Todas as garrafas estavam bem organizadas e limpas, como sempre, mas eu estava limpando uma por vez, de novo, tentando desesperadamente afastar meus pensamentos daquela história, saber tudo que Joice pensou e sentiu me causou um sentimento nunca antes sentido, algo que atravessava o meu peito com força, eu podia até mesmo sentir um gosto na minha boca, depois de anos, ela ainda mexia comigo, uma prova do amor eterno que guardei

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