Caelum: Uma aventura que ninguém nunca imaginou

A Chegada

Quando cheguei a terra, percebi que estava no quarto de uma garota, provavelmente Rebeca, motivo pelo qual fui designada. Ela estava dormindo. Assim que me aproximei da cama, vi seus cabelos loiro avelã ondulado nas pontas, cobrindo metade do seu rosto, o cobertor entre as pernas e suas meias já estavam na metade dos pés, por causa dos seus movimentos sonolentos. Rebeca era linda, não parecia sentir ódio, sua face tinha um brilho própria que parecia irradiar luz. Caminhei pelo quarto em direção ao espelho, nunca tinha visto meu reflexo, já que no reino não havia espelhos. Me assustei ao ver minha imagem refletida naquele mero vidro, tinha cabelos pretos longos até a cintura, usava um vestido branco rodado, parecia um fantasma. Acho que bati no armário quando me assustei, pois Rebeca levantou ainda sonolenta e eu sumi junto ao movimento dançante das cortinas.

Minha casa ficava na rua de trás da missão. Era um Chalé pequeno, uma gracinha, quando entrei pude apreciar cada detalhe do seu interior simples e delicado. Na direita ficava a cozinha com a bancada de mármore Carrara, a esquerda sala de estar com um sofá enorme cheios de almofadas combinando com o piso de madeira que cobria todo o chão. Uma escada no centro da casa, levava para dois grandes quartos e um banheiro revestido com azulejos azul piscina. Cada objeto parecia ter sido feito especialmente para mim. Passei uma semana em casa para resolver as papeladas do colégio, fiz o possível para conseguir ficar na mesma sala que Rebeca, assim poderia ficar perto e analisar sua rotina. Não era fácil acompanhar a vida humana na terra, mas pelo que me lembro, só existiu um agente que não completou sua missão.

A história diz que ele foi enviado com o sentimento Alegria, para ajudar uma idosa que tinha sido esquecida em um asilo pela família. Seu objetivo era fazer ela se sentir importante e alegre. Mas ele não contava com a chegada de uma voluntária à cidade. A moça era esbelta de uma forma que nunca tinha visto, despertando um outro sentimento, Fascínio. No decorrer da semana, a moça foi se aproximando a ponto de saírem para um encontro, o que despertou outro sentimento, Amor. Khalil não suportou o fato de trocar tantas vezes de sentimento que acabou largando a missão e voltando para o reino tão fraco que ninguém o reconhecia.

Criados apenas para deixar um sentimento reinar de acordo com as missões, nossos corpos são como uma caixinha que só cabe uma coisa de cada vez, caso contrário grandes estragos são causados fisicamente e interiormente. Sempre ouvíamos essa história como lembrete de que era importante manter um sentimento por missão. Fiquei pensando na possibilidade de isso acontecer comigo, já tinha sido enviada para outras missões e nunca vi algo que me atraiu na terra, será que era imune aos desejos humanos? Ou será que os humanos não me interessavam?
Independente, ficava feliz por isso nunca ter acontecido comigo. Eu me sentia forte e confiante para resolver seja lá qual fosse a tarefa, sempre estava atenta, focada e determinada.

Quando percebi já estava escurecendo, com cautela para que a missão não fosse um fracasso total decidi ir ver o que Rebeca estava fazendo. Uma das vantagens de ser um agente da luz é o nosso modo de manter a discrição e a velocidade que podíamos chegar. Ela estava deitada de um modo que acreditava não ser o jeito que se deitava em uma cama, com as pernas na parede e com a cabeça virada para os pés da cama, com fones de ouvido e o abajur da escrivaninha que ficava próximo ao guarda roupa, ligado. Ouvi algumas vozes no andar debaixo, pareciam duas pessoas conversando, tentei me aproximar da janela central para escutar o que diziam, mas sem sucesso. Voltei para a sacada do quarto de Rebeca que por algum motivo tinha uma escadinha de corda presa nela, igual às encontradas em casas de árvore. Seu quarto estava bagunçado, sapatos e roupas espalhadas por todo lado, livros e cadernos próximos às portas de vidro que afastavam a brisa do inverno que anunciava sua chegada. Puxei um caderninho sem fazer barulho e caminhei pela cidade que aparentemente estava linda e cheia de turistas andando pelas ruas a procura de um chocolate ou uma lareia quente.

Cheguei no meu chalezinho e reparei que o caderninho, era preto com desenho de uma rosa amarela no centro da capa, suas páginas brancas sem linhas, continha a mais delicada caligrafia.
- "Querido Diário..."
Fechei rapidamente o caderno e pensei como era possível ter pego justo o diário de Rebeca com tantos livros no chão? Mesmo sabendo que aquele diário poderia me ajudar a saber mais de Rebeca, não me senti a vontade de invadir sua privacidade. Se quisesse saber como ela era, faria do modo certo, ganhando sua confiança. Mas por precaução guardei o caderno em uma gaveta com chave na escrivaninha da sala, para ter certeza de que ficaria seguro.