O Encontro

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Ao amanhecer percebi o quão humana estava, pois joguei o despertador na parede assim que começou a tocar. Me sentia tão cansada e sonolenta que não queria levantar, lutei com as cobertas e me arrastei até o banheiro, abri a torneira, lavei meu rosto com água fria até me despertar totalmente. O relógio marcava 6h15 de uma segunda-feira fria e chuvosa. Comecei a me animar ao lembrar que hoje iniciaria minha primeira tarefa, desci aos pulos pela escada e me direcionei para cozinha. As janelas embaçadas por causa da chuva não me permitiam ver a rua, coloquei um bule com leite para esquentar depois de colocar o pão na torradeira. Procurei a roupa mais simples no guarda roupa, pois não queria chamar atenção, o que não foi muito fácil já que as roupas pareciam ter sido feitas com as cores do arco íris. Entrei no chuveiro e deixei que a água quente envolvesse meu corpo frágil, delicado e mortal. Ir para o ensino médio me deixava muito empolgada, já sentia que ia amar. Talvez por uma leve influência do meu sentimento, mas em outras missões me diziam que era muito legal, tinha armários nos corredores e intervalos entre as aulas. Por ser um agente seria muito fácil passar nas matérias, pois nos adaptávamos muito rápido a qualquer coisa nova.
O apito do bule me fez voltar a realidade, sai do banheiro correndo enrolada na toalha para desligar o fogo e não deixar o leite derramar. Sentei a mesa enquanto passava manteiga na torrada, ouvi um barulho na frente de casa. Vi quando um papel foi empurrado para de baixo da porta, me aproximei e reparei que eram folhas brancas que continha algumas palavras no verso.

"Querida Hayley,
Hoje é um grande dia para você, espero que consiga concluir sua tarefa.
O Norte é incrível, mas o adolescente nem tanto. Tenho muitas coisas para fazer, quando tiver um tempo te envio outra carta.
Bom, acredite no sentimento.
- BOB"

Era incrível como Bob sabia exatamente o que dizer. Confesso que não esperava uma mensagem dele, já que não podíamos manter contato durante as missões. Subi as escadas correndo e me joguei na cama morrendo de amor por aquela carta e pela consideração. Ele teria lembrado de mim até mesmo tendo tarefas a fazer. O relógio piscava sem parar, 6h30, precisava ir ou iria chegar atrasada. Peguei as roupas mais simples que encontrei, uma calça jeans despojada, uma camiseta básica, um moletom cinza e tênis. Juntei os materiais escolares em uma mochila, enrolei um cachecol no pescoço e coloquei uma touca preta. Os mestres celestiais tinham pensado em tudo, havia um jipe na garagem, que poderia usar para ir ao colégio que era no mínimo 36 minutos de casa, após o lago negro.

O colégio era enorme, largo, mas não alto, continha dois andares e janelas de arcos enfileiras que decoravam o prédio. Grades de ferros em pequenos muros rodeavam todo o perímetro, um caminho de concreto levava até a entrada principal. Alunos chegavam de todos os lados, alguns acompanhados e outros sozinhos. Estacionei o carro na frente da escola, onde tinha diversas vagas reservadas para professores e estudantes. Ao descer do jipe, não pude disfarçar a vergonha que fiquei quando as pessoas comeram a me olhar de cima a baixo. Caminhei até a entrada principal para tentar ignorar o fato de todo estarem olhando para mim, mas não foi uma boa ideia. Os corredores da escola estavam lotados de alunos procurando seus nomes em alguma espécie de lista na parede da secretaria. Me aproximei de uma bancada protegida por um vidro e perguntei para a moça que estava sentado do outro lado.
- Com licença, a senhora sabe me informar qual é a minha sala? Sou nova aqui.
Ela levantou os olhos como se fosse um grande esforço e apontou para a multidão de alunos.
- Procura seu nome ali e boa aula. – disse, voltando a mexer no computador.
Quando me virei, vi Rebeca sentada na sala de espera da secretaria. Usava um jeans preto, botas até o tornozelo, blusa de manga cumprida com uma jaqueta de couro por cima. Seus cabelos soltos caiam delicadamente sobre os ombros, seus olhos grandes cor de mel olhavam fixamente para as páginas de um livro. Por coincidência o lugar ao seu lado estava vago, me acomodei na cadeira e olhei disfarçadamente para ver o que ela lia
-Perdeu alguma coisa aqui? – disse, sem tirar os olhos do livro. 
- n-não, desculpe.
- Aluna nova? – indagou virando para me encarar, sua face iluminada mostrava uma expressão curiosa.
- Sim e você? - respondi
-Não, estudo aqui a dois anos. – disse revirando os olhos e se levantando. – Boa sorte, os alunos daqui são insuportáveis.

Abri a boca para responder, mas Rebeca já estava longe. Era grossa e misteriosa, não deixava as pessoas se aproximar. Levantei e caminhei até a parede para verificar a sala que iria ficar: TB – Sala 06. Então segui em direção a sala, quando passei pela porta e me sentei em uma das cadeiras vazias, olhei para o lado e disse.
- Mesma sala hein?! Acho que o universo quer que sejamos amigas. – Rebeca não se deu ao trabalho de me olhar e apenas ignorou.

Não demorou muito até um senhor de meia idade entrar na sala e desabar em cima da mesa reservada para o professor. Ele parecia cansado, seus olhos fundos dava a impressão que passou dias acordado, seus cabelos brancos tingidos de pretos levemente arrepiados e a roupa amarrotada que não combinava. Uma blusa branca social com um suéter xadrez, uma calça flanela e um crocs preto. Os alunos olhavam para ele como se fosse um tipo de trote de primeiro dia, mas o senhor ficou vermelho de repente. Acho que percebeu como estava vestido logo no primeiro dia, porém ignorou os olhares e se apresentou.

- Olá turma, sou o Fernando. Irei substituir o professor de português de vocês por tempo indeterminado. – disse com a voz firme, como se não ligasse para as risadas vindo do fundo da sala. – Acredito que alguns já me viram aqui no colégio ou até mesmo já tiveram aula comigo, então não vai ter nada novo.
- Exceto você de pijama no primeiro dia. – A voz veio do fundo seguida por várias risadas que só deixou o professor mais nervoso.
Olhei para Rebeca que nem estava prestando atenção no ocorrido, estava lendo novamente aquele livro, mas agora era diferente. Ela também estava escrevendo, anotando para ser mais exata, mas não tentei descobrir sobre o que se tratava, foquei na aula e esqueci ela por alguns estante. Não que eu tinha desistido, mas forçar uma amizade nunca daria certo. 

Quando chegou a hora do intervalo todos tinham seus grupos de amigos, alguns corriam em direção ao refeitório atravessando os corredores molhados por causa da chuva, outros saiam civilizadamente em direção aos bancos que se localizavam na parte coberta da escola. A inspetora vermelha de raiva com os que corriam, gritava sem parar, acho que se preocupava ou só não queria ser responsabilizada por algum acidente.  Me acomodei em um dos bancos e peguei um caderno de desenho para passar o tempo até a próxima aula. Procurei uma folha em branco e comecei a desenhar. Todo momento pensava que não iria concluir essa missão, Rebeca era puro ódio e desenvolvia outros sentimentos que me deixava com medo, não medo dela, mas de não conseguir ajudá-la. Apesar disso tinha uma pitada de esperança em baixo daquele ódio todo.

Quando eu terminava minhas tarefas no reino, usava o tempo livre para desenhar. Não precisava ficar horas pensando no que desenhar, minhas mãos faziam o trabalho aparentemente sozinha, ultilizava informações que meu cérebro acabava de processar, no caso a Rebeca. Não demorou muito para que uma rosa amarela aparecesse no papel, os detalhes pareciam os mesmos do diário, o amarelo delicado porem  forte como a cor de uma banana. Estava perfeito, mas por algum motivo comecei a rabiscar um círculo com lápis preto em volta da flor, estava cobrindo as laterais dela como se a consumisse. Algo ruim parecia estar anunciando a chegada, ao concluir isso, gotas de sangue caíram sobre as pétalas amarelada e escorriam para o miolo.

Passei a mão sobre o nariz ensanguentado que parou imediatamente de manchar as folhas de papel. De fato estava prestes a acontecer alguma coisa, estava fraca e isso só acontecia quando algo não divino ou não humano estava presente.
Arranquei a folha do caderno e guardei as coisas o mais rápido possível, corri pelo pátio esbarrando nas pessoas que estavam paradas a minha frente que olhavam assustadas ou com raiva pela minha falta de educação.
Desculpa - gritei.
Quando cheguei na sala, trombei com a porta fazendo um barulho como se tivesse caído. Observei para o interior da sala e Rebeca me olhava assustada.
Menina, você é doida?! - disse ela fechando o livro sobre a mesa.
Foi mal, estava com pressa.
O que aconteceu? Por acaso a escola está pegando fogo? - respondeu de modo irônico.
Eu achei que estava atrasada para aula. Aluna nova, lembra?
Ela revirou os olhos e continuou lendo seu livro.
Sentei em uma das cadeiras no fundo da sala de modo que ficasse perto e longe dela. Abaixei a cabeça sobre a mesa e tentei entender por qual motivo do sangramento. Ela estava bem, não tinha nada de anormal acontecendo. Um aviso ou um alarme falso? Talvez tivesse haver com o nível de dificuldade que os mestres celestiais tinham anunciado no meu julgamento. 
Os alunos entrando na sala de aula e as risadas altas me trouxeram de volta para a realidade.

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⏰ Última atualização: May 28, 2020 ⏰

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