CAPÍTULO 2 – A SRTA. MUSCARELLI
Ao chegar ao número doze da rua da União Verde, sua casa, Luiza avistou uma Sra. Helena não muito contente parada no topo da escadinha.
- Eu estava prestes a chamar a polícia! – ela berrou.
- A senhora sabia que não havia necessidade alguma, mamãe, por isso não o fez. – Luiza respondeu serena entrando no jardim da casa e encostando a bicicleta no portãozinho de ferro às suas costas.
- Há de respeitar os bons modos, minha filha, não se some assim do nada no dia do jantar com a família do seu noivo. Deveria estar em casa se preparando. – Helena falava séria.
- Mamãe, são quatro horas da tarde, o jantar começará às oito. Terei tempo o suficiente para me preparar. – a menina disse subindo pelos poucos degraus da escada e dando um beijinho na testa da mãe, que ainda a olhava com a cara amarrada.
- Você deu sorte que seu pai ainda não chegou. Como explicaria a ele seu sumiço? – a mãe murmurou, mas Luiza já estava longe.
A menina entrou como um foguete em casa e rumou para o seu quarto. A imagem da loja estranha ainda martelava em sua cabeça. Ela atirou a bolsa sobre a cama grande e a fuçou, a fim de alcançar a caneta e um papel e quando estava com os dois em mãos, anotou rapidamente o nome da loja: "ANTIQUÁRIO BENFAZEJO" seguido de um enorme ponto de interrogação.
A voz de Sra. Helena gritando da cozinha para Luiza ir se arrumar tirou a menina de seus devaneios, então ela dobrou a folhinha e enfiou sob um livro que estava em sua cabeceira.
A família Arantes estava toda na sala. O Sr. Antônio sentado em sua poltrona preta de couro, Sra. Helena, ajeitando os últimos enfeites da mesa, e Luiza sentada na beirinha do sofá, os pés sacudindo agitados de ansiedade. Exatamente as oito e trinta e dois a campainha tocou, ao ouvir o som estridente, tanto Sr. Antônio como Luiza se puseram de pé e Sra. Helena se apressou em ir abrir a porta. Em poucos segundos Manoel, Sr. Cândido e Sra. Victoria já estavam na sala, Luiza ouvia o burburinho dos cumprimentos e a Sra. Helena pegava os chapéus e o xale das visitas para pendurar no armarinho da entrada.
- Que satisfação em os ter aqui hoje. – Sr. Antônio falou num tom grave e formal. Luiza segurou-se para não rir, a situação toda parecia tão patética.
- Estamos encantados com o convite, Sr. Arantes. – foi Manoel quem respondeu.
Manoel Galvão era um homem alto e esguio, com cabelos curtos e negros e os dentes perfeitamente alinhados, carregava consigo uma expressão misteriosa, mas Luiza se lembrava que na infância, ele já fora um garotinho rechonchudo e de cabelos tigelinha, que ria da palavra "geringonça" toda vez que alguém a pronunciava. Luiza o achava educado e muito bonito, mas certamente esses não era motivos suficientes para que ela quisesse dividir o resto da vida ao seu lado. Aliás, esse pensamento causava arrepios nela. Manoel era um tanto quanto egocêntrico também, apesar de Luiza acreditar que ele não fazia de propósito. Se lembrava das duas ou três vezes que os dois foram tomar sorvetes na lanchonete do Seu Teobaldo, e Manoel passou no mínimo quarenta minutos falando sobre como ele, orgulhosamente, herdaria a loja de tecidos de seu pai ("a melhor da região, sem dúvida"), e de como estava ansioso para ir estudar administração em São Paulo e "fazer os negócios decolarem de uma vez". Ela sentiu- se tentada a revirar os olhos com a lembrança, mas não o fez.
- Boas noites, Luiza. – o rapaz cumprimentou com um aceno de cabeça.
- Manoel. Sr. e Sra. Galvão. – Luiza cumprimentou sorrindo, serena.
Manoel ainda a encarava. Ela sustentou o olhar dele por mais alguns segundos.
- Vamos nos sentar, sim? – disse ela virando o rosto, sem jeito.
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Além do Tempo
Novela JuvenilLuiza Arantes é uma jovem de dezoito anos cheia de sonhos e planos que vê seu mundo desmoronando quando é prometida pela família em casamento a Manoel Galvão, um rapaz de família tradicional de Quatro Passos. Em uma de suas aventuras pela cidade, u...