II

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"Estavas à espera que fosse outra pessoa?" questionou enquanto soltou uma gargalhada. Era sempre o mesmo este rapaz.

"Não Richard não estava à espera de ninguém aliás" argumentei parando em frente do meu cacifo lembrando-me que ele tinha contado à Rose a minha ideia de concorrer a concertino na orquestra de Berlim "ah, já agora.." murmuro sendo depois interrompida pela voz de Richard.

"Ui lá vem coisa, diz lá o que é que eu fiz agora?" questionou cruzando os braços sobre o seu peito o que me fez gargalhar. Não sei porquê mas algo neste rapaz me fazia rir pois no fundo ele não tinha lá muita piada. Talvez o cabelo dele fosse a razão. 'O cabelo? A sério Samantha? Que estúpida' meu subconsciente a falar. 

"Não é nada disso Richard, só quero saber porque é que abriste a boca e foste contar à Rose que eu queria concorrer para concertino? Eu disse-te para ficares calado que eu não queria que ninguém soubesse disso e tu foste contar à Rose meu panasga?" dei-lhe um pequeno estalo no braço e ele levou a mão do braço oposto ao local onde lhe tinha batido. Cruzei os braços e revirei os olhos ao ver a reação dele pelo estalo que lhe tinha dado "oh, não sejas maricas"

Ele gargalhou assim que me ouviu "Primeiro, não sou maricas. Segundo, eu pensava que ela sabia por isso é que lhe contei. Quer dizer, elas é tua melhor amiga por isso pensei que sabia. Desculpa princesa, não foi por mal"  ele murmurou depositando um beijo na minha testa. Eu apenas soltei um leve sorriso nos meus lábios. Que belo rapaz. 'Ele tem namorada Samantha e ela é a tua melhor amiga' o meu subconsciente relembrou. Eu nem sequer estava a pensar nisso, ou será que estava? Aff esquece Samantha. Pensei para mim mesma abanando a minha cabeça para afastar os pensamentos.

"Espera aí..." murmurei num tom muito sério que fez com que ele me olhasse "tu pensas?" questionei soltando depois várias gargalhadas ao ver a reacção dele "Estava a brincar Richard não me comas viva" gargalhei mais uma vez parando aos poucos.

"Tens muita piada tens" gargalhou também ele. Ele nunca me levava a sério nas minhas piadas. E é esse o objetivo não é? Eu acho que é.

"Eu sei que tenho mas agora eu tenho que ir estudar, aquela coisa que não fazes sabes?" soltei mais uma leve gargalhada retirando de seguida o meu violino do cacifo e colocando-o ás costas.

"Ah isso, sei o que é sim mas nessa tenho que concordar contigo, realmente não estudo" gargalhou.

"Ainda vais a tempo para emendares isso Richard. Tens uma semana para o ano acabar por isso ainda vais muito a tempo" gargalhei começando a andar para o lado das salas enquanto ele se direcionou para o lado oposto, para o pátio. "gosto do teu cabelo" murmurei num tom mais elevado devido ás nossas distâncias. Não vi muito bem a reacção dele mas tenho a certeza que foi de estranheza.

"O quê?" a pergunta obvia que estava à espera. Eu realmente não regulo.

"Nada, nada. Adeus." falei apressadamente. Mata-te Samantha, apenas mata-te. 

Chegando ás salas de estudo, estas encontravam-se praticamente desertas. Ninguém estudava nas horas de almoço. Bem, eu estudava. Entrei na sala e pousei o violino na pequena mesa que lá estava juntamente com a pequena mala que trazia com os meus bens pessoais. Estava na hora de estudar, hora sagrada. Demorei uns bons cinco minutos para me concentrar apenas no estudo e em mais nada. Abri a minha caixa, tirei o meu violino. Coloquei a almofada no mesmo e apertei o arco na medida certa para que nem ficasse muito apertado nem muito solto. Coloquei o violino apoiado no meu ombro e o arco na corda sol, a corda mais grave. Fechei os olhos e imaginei a introdução que a orquestra faz, preparando-me depois para começar a tocar. Inspirei como forma de entrada e deslizei o meu arco na corda do violino, sentindo depois o violino a vibrar com o som que dele saía. Era o meu solo, a orquestra aqui não tocava, era apenas eu, o meu momento de brilhar. Depois do meu solo, o tema aparece pela primeira vez sendo acompanhada pela orquestra que tocava acordes em pizzicatto. Aquelas melodias eram tão bonitas. Acho que as melodias e os temas de Tchaikovsky eram os mais bonitos de todas as obras de todos os compositores. O meu vibratto era cada vez mais intenso, sobretudo nas partes melodiosas. A minha mão esquerda subia e descia as devidas posições do violino conforme as dedelhações que havia marcado na minha partitura. Toco depois o acorde de Ré Maior e vem o tema novamente na oitava a cima. O meu coração bateu forte ao ouvir aquela maravilhosa música que estava a fazer com o meu violino. Sim, eu faço música,  não a toco. Fazer música é muito mais do que tocá-la. Fazer música era sentir a mesma, fazer com que ela nos pertença. Fazer com que seja o nosso momento. Aquele era o meu momento.

Depois de alguns bons minutos a fazer música, chego ao fim do primeiro andamento do concerto de Tchaikovsky. Deixei os meus olhos fechados, como se tinham mantido desde o ínicio e, aos poucos, abri-os verificando uma enorme quantidade de pessoas coladas à janela da porta da minha sala de estudo. Assim que os vi, assustei-me mas estes logo me aplaudiram, uns com um enorme sorriso nos lábios. Soltei as gargalhadas assim que os vi. Wow. Sentia-me importante. Já sabia o que iriam dizer: 'como fazes isso?', 'és magnífica', 'tens tanto talento', esse tipo de coisas. Oh,  por favor, não me chamem de convencida. Sei porque não era a primeira vez que isto me acontecia. São muitas as vezes que vejo as pessoas coladas à minha sala de estudo quando estou a tocar e sempre com as mesmas frases. Não sabem variar, serem inteligentes para dizer a mesma coisa de forma variada, mais elaborada.

Mantive-me quieta, sentada na cadeira que estava localizada ao lado da mesa onde estava a minha caixa e a minha bolsa e ouvi todos os comentários que me tinham a dizer. Passado alguns longos minutos um som irritante é emitido pela campainha da escola. Tinha finalmente tocado para dentro da primeira aula da tarde o que fez com que todos os alunos, que basicamente interromperam o meu estudo para me dar as congratulações, fossem para as suas devidas aulas.

"Chamas isso estudo?" ouvi uma voz de mulher,  que não me parecia muito contente, na direcção da porta onde alguns dos alunos ainda estavam a sair fazendo-me depois olhar para a mesma. Engulo em seco e baixo o olhar.

The Cellist ||h.s.||Onde histórias criam vida. Descubra agora