2º Capítulo - DESESPERO

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Terminamos de comer e vagarosamente arrasto meus pés até a pia, jogo os pratos de plástico lá e me jogo não muito longe dali, no sofá bege com um remendo de fuxico tapando os buracos. Dou-me ao luxo de descansar por alguns poucos minutos, mas levanto sorrindo quando vejo João Pedro trazendo de modo desajeitado nossos livros, seus bracinhos finos ao redor dos livros sempre me deram muita força para continuar. Sentamos no chão e eu começo a estudar um pouco de química enquanto ensinava matemática básica para ele, que aprendia tudo reclamando muito, mas conformado. 

João sempre foi um bom menino, desde que nasceu nunca deu trabalho e nos ajuda sempre que pode. Hoje quando cheguei em casa, estava tudo limpo e organizado e isso me poupou bastante tempo. Nossas vidas são corridas porque não podemos perder as oportunidades que aparecem para nós, principalmente voltadas para a educação, que são mínimos. Acabamos de estudar e guardamos as apostilas na bolsa e corremos para nos arrumar e sair de casa. Para leva-lo a escola temos que descer o morro todos os dias e andar várias quadras, não tenho coragem de levar o meu irmão aqui sozinho de jeito nenhum principalmente porque não muito longe fica um lugar onde os traficantes sempre se encontram, chamados de "boca" são perigosos e sempre pouco movimentados. Já houveram troca de tiros e isso me deixa com muito medo, bem, faço o possível pela segurança do meu irmão.

Depois de tudo o que já aconteceu com a minha mãe, eu me sinto extremamente preocupada o tempo inteiro... Eu não consigo imaginar como seria a minha vida sem o meu irmão, e eu não quero imaginar onde ele estaria agora se eu não estivesse aqui.
O meu medo de sofrer o que mainha sofreu é muito grande, por causa disso a noite não saio, e durante o dia tomo todo cuidado, quando eu estou dentro do barraquinho eu me sinto extremamente segura, mas quando saio... Parece que eu me torno um alvo, uma criminosa, uma vítima em potencial... Não consigo andar sem pensar na minha segurança, nunca.

Escuto um barulho de galho se quebrando e meu coração dispara, minha respiração vai ficando mais pesada e minha única e primeira reação é pegar nas mãos do meu irmão e correr para dentro da escola, ele assustado aperta a minha mãe e eu vou me acalmando aos poucos,  sentindo o cheiro habitual de livros velhos em paralelo ao barulho das crianças conversando e brincando, enquanto a professora tenta controla-los.

João puxa minha blusa chamando a minha atenção. - Você está bem?

- Acho que sim. Foi só um susto. - Pego sua mão, dou lhe um beijo carinhoso, cheio de medo também. - Tchau, amor. Deus te traga de volta para mim, em segurança. 

- Amém, agora vá. -  Largo sua mão e devagar vou me afastando, paro no portão da escola e tomo coragem para ir,enfim. Ouço passos correndo e me viro, com meu irmão abraçado a minha cintura. - Por Deus, tome cuidado.

O hospital onde minha mãe estava,com certeza não era um dos melhores, mas foi o único que conseguimos instala-la, consequentemente não ficaria muito longe de onde eu estava, a alguns metros da escola de Pedro. A poeira da rua subia para os meus pés enquanto eu andava, minha sandália rasteira, que um dia fora preta, agora se mostrava num tom de cinza desgastado e cheia de sujeira ameaçava quebrar, comecei a andar com mais cuidado, para impedir que o pior acontecesse no meio da rua, em plena quase duas da tarde, com um sol extremamente forte.

Sinceramente não sei o que esperar, ninguém havia me dito nada sobre o estado da minha mãe. Tudo que eu sei é que ela está no quarto 999 neste hospital, ao qual estou olhando agora, esperando que minhas pernas se movam e entrem sem o meu comando e principalmente sem o meu medo, de entrar e me deparar com uma informação que eu não goste. Não é a primeira vez que ela vai para o hospital sentindo dores fortes, os médicos nunca disseram nada sobre o que se trata, nunca descobriram o que ela tem e eu tenho medo que dessa vez ou eles ainda não saibam o que é, ou...  Seja algo que não possamos reverter. 

As paredes brancas do lado de fora me davam arrepios, cheias de janelas de vidro transparente, me permitiam enxergar as pessoas andando pela recepção. Respirei fundo e entrei no hospital, empurrei a porta e pude sentir o ar-condicionado tomando conta do meu corpo, abracei os meus braços e fui até o balcão azul, com cheiro de álchool  por todos os lados. Uma moça mexia no computador e não viu eu me aproximar, eu esperei ela me ver, o que não demorou muito.

- O que você quer garotinha? - Seus cabelos lisos e negros rodeavam todo o seu rosto, que não parava de se mexer, com um chiclete dançando em sua boca e seu olhar entediado mostrava que não estava animada. Voltei a olhar para os seus olhos, meio perdida. - Diga, eu não tenho o dia todo.

- Eu vim ver a minha mãe. Ela está no quarto 999 daqui. - Ela parou de digitar e levantou os olhos para mim. 

- O quarto fica no 7º andar e vá pelas escadas. - Foi tudo o que a moça disse, antes de se virar e atender de forma sorridente outra mulher, mais velha e rica. Sinceramente eu poderia dizer que estou surpresa. Mas não estou, ocorreu tudo "normal" até aqui, infelizmente.

Comecei a subir as escadas em busca do tal quarto onde minha mãe estaria, a cada passo que eu dava naquele piso incrivelmente branco e limpo, era mais um pouco de medo que recaía sobre mim naquele momento. Meus olhos enchiam de lágrimas a cada andar que eu passava, as pessoas que transitavam entre si, segurando pastas ou folhas soltas, pareciam tão indiferentes umas as outras, que me peguei pensando se o médico que está cuidando dela a tratou bem. Até que enfim cheguei no sétimo andar e meu coração começava a palpitar e a primeira lágrima caiu, depois disso eu comecei a chorar desesperadamente ao ver minha tia chorando enquanto conversava com um médico, do outro lado da sala de espera. O que será que aconteceu, meu Deus? Eu não posso demorar, tenho que ir trabalhar. E agora, meu Deus???

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⏰ Última atualização: Jul 11, 2020 ⏰

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