Terceiro Ato, Cena II

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Em outra parte do bosque.

Entra Oberon, Rei das Fadas e dos Duendes.

Oberon – Será que Titânia já acordou? Se já acordou, o que for que primeiro ela viu deve ser o alvo de sua paixão desmesurada.

Entra Bute.

Aí vem o meu mensageiro. E então, espírito doido? Quais são as diversões noturnas agora neste arvoredo infestado de espíritos?

Bute – Minha senhora apaixonou-se por um monstro. Próximo ao seu caramanchão secreto e consagrado, enquanto ela adormecida encontrava-se, um bando de palhaços, rudes trabalhadores braçais, que labutam pelo pão que comem em tendas do mercado em Atenas, reuniram-se para ensaiar uma peça planejada para o dia das bodas do grande Teseu. O mais estúpido casca-grossa daquele grupo de tapados, que representava Píramo naquela brincadeira, abandonou a cena e embrenhou-se num espinheiro, quando eu disso tirei proveito: fixei-lhe na cabeça uma cara de burro. Em seguida a isso, a Tisbe desse Píramo precisava de uma resposta; e apresenta-se o meu comediante. Quando dão uma espiada nele, foi como gansos selvagens que o caçador, rastejando, avistasse, ou como as gralhas de plumagem parda na cabeça, em numerosa revoada, alçando voo e esganiçando-se ao estampido de uma arma de fogo, separando-se e enlouquecidamente espalhando-se pelo céu; assim foi que, ao enxergarem-no, escafederam-se os seus camaradas. Eu sapateio com força e, assustados, um vai tropeçando uma, duas, três vezes na correria, outro grita "Assassino!", e pede o socorro de Atenas. Com o tino assim enfraquecido, derrotado por seus medos assim fortalecidos, fizeram com que os seres inanimados começassem a lhes fazer mal, pois as urzes brancas e os espinheiros pegaram suas vestes, e algumas mangas e alguns chapéus essas coisas agarram de quem lhes as cede. Eu os conduzi nesse pavor desatento e para trás deixei o doce Píramo transformado. Foi então que aconteceu de Titânia acordar e, despertada, imediatamente ficou por um asno apaixonada.

Oberon – Isso resultou melhor do que se eu tivesse planejado. Mas, e tu, já molhaste os olhos do ateniense com o sumo do amor, conforme te ordenei?

Bute – Peguei ele dormindo – isso também, está cumprido –, e a mulher ateniense ao lado dele, de modo que, quando ele acordasse, necessariamente ela seria avistada.

Entram Demétrio e Hérmia.

Oberon – Fica aqui, e esconde-te. Esse é o nosso ateniense.

Bute – Essa é a mulher, mas não é esse o homem.

[Eles param ali perto, e observam.]

Demétrio – Mas, ah... por que você rejeita este que tanto a ama? Melhor seria deitar palavras tão cáusticas sobre um cruel inimigo.

Hérmia – Agora estou só te repreendendo, mas deveria estar eu te tratando muito pior, pois tu, e este é o meu temor, me deste causa para amaldiçoar-te. Se mataste Lisandro enquanto ele dormia, estás até o pescoço em sangue. Pois mergulha de vez, e mata-me também. Nem o sol foi tão verdadeiro e leal com o dia como ele foi comigo. Teria ele fugido de uma Hérmia adormecida? Prefiro acreditar que se poderia perfurar o globo terrestre de lado a lado, e a lua iria insinuar-se pelo centro da terra para assim perturbar, com os Antípodas, a maré alta do meio-dia de seu irmão. Não há outra explicação: tu mataste Lisandro. E te pareces com um assassino, assim tão letal, com a cara tão fechada.

Demétrio – Essa deve ser a cara de quem foi assassinado, e devo estar assim, ferido que está meu coração com essa sua horrenda crueldade. E, no entanto, você, a assassina, tem a aparência radiante e luminosa de Vênus, distante em sua mais cintilante órbita.

Hérmia – O que tem isso a ver com o meu Lisandro? Onde está ele? Ah, meu bom Demétrio, vais devolvê-lo para mim?

Demétrio – Prefiro entregar a carcaça dele aos meus cães de caça.

Sonho de uma Noite de Verão (1605)Onde histórias criam vida. Descubra agora