Queda livre

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Acordei motivado, uma coisa que nunca havia de acontecer antes comigo. Levantei do conforto de minha cama, bagunçada no entanto, não tinha motivação para arrumá la muito menos alguém para me obrigar.
Desci as escadas em direção a cozinha. Apesar de nossa vida apertada, nossa casa não era lá tão ruim. Tinha dois andares, o primeiro com dois quartos, no qual um era meu. O quarto em si era pequeno, porém havia uma varanda na janela onde dava para as montanhas, era meu local favorito. No andar debaixo tinha a sala e a cozinha.
Sabia o que tinha que fazer. Contaria para Davi o que sentia por ele, mesmo nem eu sabendo explicar o que era. Mas estava tão animado, era preciso me abrir, e sabia que aquela era a hora, como sempre não sei o por que, mas era. Após me arrumar rapidamente, não fazia questão de perder tanto tempo nisso, estética. Cabelos pretos, tamanho mediano, pele branca, era eu, comum.
Sem mesmo comer saí correndo em direção a escola já que estava atrasado, como de costume, normalmente me encontrava com Davi na porta da escola. Andando rápido e empolgado ia eu, meu coração saltava do peito, o êxtase corria pelo meu corpo, e ao mesmo tempo minha barriga reclamava, estava morrendo de ansiedade. Era como uma droga, um entorpecente incrível que havia dado sentido à minha vida. E eu ia com um rumo, com uma direção. Talvez eu finalmente pudesse ser quem sabe, feliz, não sei.
Eu chegara na porta da escola enfim, estava ansioso, e muito empolgado. Até que de repente vi uma cena que me fez congelar, como se tivesse passado o efeito maravilhoso que sentira a pouco, e agora se instalava no lugar o espanto, a tristeza amarga que eu provei no dia anterior voltava com toda sua glória.
Lá estava Davi, atracado com Alice. Os dois estavam se beijando. E eu estava apenas parado, em choque, meus olhos arregalados, minhas mãos tremiam e minha garganta doía. Não conseguia me mover, meus olhos se encheram de lágrimas, mas não deixei que elas caíssem. Voltei a si, olhei para a escola, para eles e depois me virei, tinha que ir para a casa, lá talvez eu pudesse desabar, me jogar debaixo das cobertas e sofrer em silêncio.

Chegando em casa, joguei minha mochila ao chão ao lado da porta e então a fechei. Fui em direção a sala e a cena que me esperava era horrenda, nenhuma palavra a descreveria melhor.
Lá estava minha mãe, a mulher que me botou no mundo, que me criou, que me protegeu, que sofreu por mim. Caída no chão.
Laura era o nome dela. De altura baixa, magra, pele branca e cabelos pretos, lisos. Coberta de sangue. Seu sangue. Sua camisa branca agora era tingida de vermelha, a ponta do tapete beje agora estava manchada, e ao lado do sofá onde o corpo de minha mãe se encontrava, estava uma enorme poça de sangue.

Meus olhos estavam arregalados, estava boquiaberto. Meu espanto era visível, eu estava paralisado, meu coração a mil, não sabia o que pensar, como agir. Minha pobre mãe estava morta e eu sabia quem era o culpado. Sabia quem era capaz daquele ato inescrupuloso. Enfim desabei ao chão, caí de joelhos enquanto via aquela cena pavorosa e certamente traumatizante. Ouvi então um barulho vindo da cozinha, não conseguia pensar direito, meus pensamentos simplesmente vagaram, voaram para longe de mim. Me encontrava em uma sala totalmente branca, junto apenas ao corpo de minha mãe. Jogada coberta de sangue.
Mas esse barulho me despertou, vi então alguém se aproximar, levantei meus olhos e vi aquele homem grande parado a dez passos de mim. Era ele, meu pai. Segurando uma faca coberta de sangue, se espalhando até suas mãos, braços e camisa. Ele me encarava, mas seus olhos não encontravam os meus, olhos vazios, e eu o vi se mexer, não me contive e corri, corri o máximo que pude como se minha vida dependesse disso e claramente dependia.
Subi as escadas para o meu quarto e lá então tranquei a porta, corri para a varanda ficando de costas para a mesma. Meu coração saltava do meu peito, batia feito louco, minha mão e dobras do meu braço suavam frio, meus olhos estavam arregalados e encharcados. Eu então me virei para as montanhas, olhei para elas, aquela mata incrível, aquela visão memorável.
Nada me restava nessa vida, tudo parecia ter se despedaçado e jogado aos ventos, eu enfim chorei, as lágrimas saíram como nunca, como se eu finalmente tivesse aberto as barreiras. Meus olhos se apertaram deixando apenas uma brecha, pensava em Davi, pensava em como eu fui covarde, pensava em como tudo era tão terrível, pensava no que eu poderia ter feito, no que eu não vivi. Para falar a verdade, eu não vivi, apenas existi, uma existência doentia e sofredora. E aqueles pensamentos terríveis dominavam meu ser, dominavam cada célula do meu corpo.
É irônico como no fim, tudo o que importa é viver.

De repente esses sentimentos evaporaram, meu corpo se sentia mais leve, como se tudo houvesse passado. O vento congelante atingia minha pele e gelava meu sangue, estremecendo meus ossos. Me dando calafrios que me faziam dar pequenas tremidas pelo corpo. Era tão gelado quanto o gelo, tão frio quanto um dia de inverno. Eu olhava em direção as montanhas verdes, que cobriam a paisagem e se deitavam em volta de toda a pequena e um tanto quanto pacata cidade onde eu vivera.
Fazia um tempo desde que vi meus amigos pela última vez.

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O corpo de Lucas Medeiros foi encontrado em frente a sua casa, parece que ele caiu ou então se jogou, de acordo com as informações a investigação precísa decidirá o total dos acontecimentos. Sua mãe Laura Medeiros foi encontrada morta esfaqueada em sua sala enquanto seu marido, Roger, foi encontrado pela localização de seu carro em uma pequena montanha florestal perto dali, foi encontrado um corpo ainda não identificado dentro do mesmo, acredita-se ser de Roger, que é o principal suspeito do caso.

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⏰ Última atualização: Sep 11, 2021 ⏰

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