O verme de gelo que devorou o coração

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  10 anos antes da matéria de jornal
— 2010

        
         Nevava, lá fora tudo era branco, embaçado. 

As folhas das árvores, assim como todo o resto, possuíam uma fina camada de gelo sobre si, se quebrariam com um mísero tocar. 

Cada pequeno pedaço ali estava coberto de branco, gelado, até onde os olhos podiam alcançar uma paisagem bonita e distante se estendia solitária, mais próxima de uma pintura estéril e vaga do que da vida real. Cristais pendiam dos galhos secos. Como jóias ou lágrimas— estas não eram a mesma coisa algumas vezes?

Era bonito.

Lan Wangji achava bonito, então assistia aquele borrão branco passar diante de seus olhos rapidamente, suas pequenas e pálidas mãos grudadas no vidro da janela enquanto seus olhos atentos não piscavam. O leve e frágil véu infantil da inocência ainda não tinha sido arrancado de diante dele, então Wangji conseguia enxergar tudo aquilo com o máximo encanto e felicidade. O mundo ainda era colorida apesar de tudo, era quente apesar de tudo. 

Flocos de neve flutuavam lentamente até o chão, indo e vindo no ar, como se dançassem uma decadente coreografia sem música. Não muitos como antes, mas o suficiente para lembrar que uma tempestade de neve ainda assolava-os, que ela estava apenas dando uma pequena pausa, um pequeno respirar para a luz pálida do sol, em raios tímidos, romper com muito esforço as densas camadas de nuvens, e que Gusu ainda teria mais algumas semanas da estação mais fria e rigorosa do ano pela frente. 

Era inverno em Gusu, o mais cruel dos últimos dez anos. Fazia frio, muito frio, daquele de congelar os ossos e até o coração, daquele de fazer as pontas dos dedos doerem mesmo sob luvas e depois serem anestesiadas também pela baixa temperatura. 

Mas, ainda assim, no meio daquela tormenta branca, a família Lan, que para muitos nos dias vindouros seria considerada bastante irresponsáveis por pegar estrada uma hora daquelas e com o tempo naquele estado, teimosamente cortavam a passagem pálida no Corsa ano 2006 da família. Eles precisavam chegar em casa, estavam a dois dias em visita a parentes, e segundo a previsão do tempo, se não aproveitassem aquela rápida melhora de clima, só Deus sabe quando iria acontecer outra. 

Tudo ao redor era confuso, complicado e tempestuoso, embora também fosse calmo. Lan XiChen, o garotinho mais velho, encolhia-se dentro de seu enorme casaco grosso e com proteção térmica. Odiava inverno, odiava não ter o calor do sol esquentando sua pele um tanto mais escura que a do irmão mais novo, odiava não poder brincar na rua junto de seus amiguinhos por causa do excesso de neve no chão e do frio— odiava mais que tudo os lábios rachados e como doía respirar porque queimava. 

Mas por outro lado, dentro daquele carro, rodeado pelas pessoas que amava, aquecedor ligado e um pacote de salgadinhos nas mãos pequenas, o pequeno Lan Wangji de 7 anos sentia-se feliz. Muito feliz mesmo! Cansou-se de olhar a paisagem, coisa que fez por uns 5 minutos— o que para seus padrões daquela época era muito tempo. Então ele voltou ao que fazia antes, deixando-se levar pela melodia divertida e infantil que embalava o interior daquele carro, sorria enquanto cantava alto junto com o pai a música dos patinhos que foram passear e sempre se perdiam na montanha. Nunca mais voltando

Faltava quase que todos os dentes da frente, o cabelo negro estava bagunçado sobre a testa, espremido por uma touca grossa. A mulher que encarava pelo retrovisor os dois filhos do banco de passageiros sorriu. Seus filhos eram muito fofos, suas duas peças de jade, melhor coisa que já fez na vida, seu maior orgulho. 

GOLDEN EYES (WangXian)Onde histórias criam vida. Descubra agora