Capítulo XIII

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— E Teresa?

Perguntam a tempo, minhas senhoras, e não me hei de queixar se me arguírem de a ter esquecido e sacrificado a incidentes de menos porte.

Esquecido, não. Muito há que me reluz e voeja, alada como o ideal querubim dos santos, nesta minha quase escuridade, aquela ave do céu, como a pedir-me que lhe cubra de flores o rastilho de sangue que ela deixou na terra. Mais lágrimas que sangue deixaste, ó filha da amargura! Flores são tuas lágrimas, e do céu me diz se os perfumes delas não valem mais aos pés do teu Deus que as preces de muita devota que morre santificada pelo mundo, e cujo cheiro de santidade não passa do olfato hipócrita ou estúpido dos mortais.

Teresa Clementina bem a viam transportada da escadaria do templo onde caíra, à liteira que a conduziu ao Porto. Recobrando o alento, viu defronte de si uma criada, que lhe dizia banais e frias expressões de alívio. Se alguma criada de seu pai lhe era amiga, decerto não aquela, acintemente escolhida pelo velho. Nem ao menos a confiança para tal expansão em gritos restava à afligida menina! Mas um raio de piedade ferira o peito da mulher até àquela hora desafeta a sua ama.

Perguntava-se a si mesma Teresa se aquela horrorosa situação seria um sonho! Sentia-se de novo falecer de forças, e voltava à vida, sacudida pela consciência da sua desgraça. Condoeu-se a criada, e incitou-a a respirar, chorando com ela, e dizendo-lhe:

— Pode falar, menina, que ninguém nos segue.

— Ninguém?!

— As suas primas ficaram: apenas vêm os dois lacaios.

— E meu pai não?

— Não, fidalga... Pode chorar e falar à sua vontade.

— E eu vou para o Porto?

— Vamos, sim, minha senhora.

— E tu viste tudo como foi, Constança?

— Desgraçadamente vi...

— Como foi? Conta-me tudo.

— A menina bem sabe que seu primo morreu.

— Morreu?! Vi-o cair quase aos meus pés; mas...

— Morreu logo, e depois quiseram os criados, à voz de seu pai, prender o senhor Simão; mas ele com outra pistola...

— E fugiu? — atalhou Teresa, com veemente alegria.

— Afinal foi ele que se deu à prisão.

— Está preso?!

E, sufocada pelos soluços, com o rosto no lenço, não ouvia as palavras confortadoras de Constança.

Serenado algum tanto o violento acesso de gemidos e choro, Teresa sugeriu à criada o louco plano de a deixar fugir da primeira estalagem onde pousassem para ela ir a Viseu dar o último adeus a Simão.

A criada a custo a despersuadiu do intento, pintando-lhe os novos perigos que ia acumular à desgraça do seu amante, e animando-a com a esperança de livrar-se Simão do crime, com a influência do pai, apesar da perseguição do fidalgo.

Calaram lentamente estas razões no espírito de Teresa.

Chorosa, ansiada e a reveses desfalecida, foi Teresa vencendo a distância que a separava de Monchique, onde chegou ao quinto dia de jornada.

A prelada já estava sabedora dos sucessos, por emissários que se adiantaram ao moroso caminhar da liteira.

Foi Teresa recebida com brandura por sua tia, posto que as recomendações de Tadeu de Albuquerque eram clausura rigorosa e absoluta privação de meios de escrever a quem quer que fosse.

Amor de Perdição (1862)Onde histórias criam vida. Descubra agora