Capítulo 3

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Para minhas gêmeas Raquel e Ruth que fazem aniversário hoje e por coincidência, estamos mesmo tratando de gêmeas. Meninas, amo vocês, tenho muito orgulho de quem estão se tornando e gratidão por meu trabalho ter trazido para minha vida tanta gente especial. 

Muita sorte, amor e sonhos realizados para as duas, Divirtam-se e riam juntas, continuem seus esforços que tanto admiro e vou ficar sempre aqui, de olhos abertos para aplaudir cada vitória. Parabéns! Feliz aniversário!!! 


   Javier

Afasto a cortina pesada apenas o bastante para olhar a vista, pensar que um dia eu já amei e admirei a beleza do vilarejo, fico tentando encontrar razão para voltar a admirar o verde triunfante da vegetação contrastando com os telhados de barro das construções. Cada uma daquelas pessoas que segue suas vidas me conhece. Todos eles são testemunhas do passado, testemunhas da decadência dos Ruiz, cada palmo de tudo que cerca, a colina, a mansão, as pequenas casas e toda terra que me cerca, tudo é meu e só queria fazer desaparecer.

Posso ouvir com clareza a voz de minha avó berrando da varanda enquanto eu corria pela colina com os cães em todas as férias de verão, mamãe aproveitava as férias na colina para cozinhar com minha avó, detestava partir no fim das férias, voltar para Barcelona e a vida de menino preso a um apartamento luxuoso quase sem ver meu pai apenas esperando pelas férias. Rosália preferia Barcelona, sentávamos lado a lado no carro e depois no avião, ela cinco anos mais velha e cheia de vida, voltava com um sorriso no rosto, desesperada para rever os amigos eu de rosto fechado desejando desesperadamente ficar com meus avós na casa da colina.

Nossas vidas tomaram rumos diferentes, meus avós morreram um depois do outro e antes dos meus doze anos, a casa da colina estava vazia e triste. Rosalia nunca teve muita responsabilidade, eu tinha pouco mais de dezenove anos quando sua filha nasceu. 

Meu peito se rasga ao me lembrar do sorriso do bebê mais lindo que já existiu, mamãe passava todo tempo livre paparicando a neta, o namoro de Rosália com o pai de Esther é claro que não deu certo e ele se perdeu no mundo e eu, garoto de quase vinte anos, sentia como se fosse responsável por ela.

Na família Ruiz, são os homens a tomar a frente das responsabilidades e do trabalho, mulheres nunca tomaram decisões e quando fiz dezenove e meu pai faleceu sem ter a chance de conhecer a neta, o que restou foi ajudar mamãe a cuidar dos negócios, era ela a cuidar de tudo enquanto eu fazia pose de chefe de família e minha irmã e a filha viviam presas ao peso do julgamento de mamãe que sempre foi mais dura que meu pai.

Maria Pina era uma mulher forte e me treinou com mãos de ferro, quanto mais se aproximava de mim, mas se afastava da aventureira Rosália e a pequena Esther, eu fui me deixando levar pela mão pesada de minha mãe, eu não podia ter sido tão duro, tudo teria sido diferente se eu tivesse sido maleável, mas eu não fui.

Viver mergulhado nas lembranças, amarrado a dores agora não mais físicas, essas estão indo embora e eu odeio que meu corpo, ainda que lentamente e cheio de marcas se recuperou, eu devia ter terminado como elas, é o que queria, é o que merecia. A alma sangra e o que restou foi amargura, frieza e raiva.

Me afasto da visão do vale abaixo, volto para a meia luz do quarto corro os olhos pelo ambiente pensando que essa casa morreu com vovó. Agora é habitada pelo último Ruiz vivo, um fantasma a perambular por velhas e trágicas lembranças.

A casa é tão silenciosa que o som dos sapatos pelo assoalho parece ecoar por todo imóvel, encontro o dono dos sapatos no meio do corredor, é o último dia de trabalho do enfermeiro e ele me espera tão constrangido e distante quanto no dia em que chegamos a mansão. São oito meses de convívio e nenhum sinal e amizade.

A casa da Colina(DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora