Victor I

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Eu já não suava frio mais como antes por conta desse sonho. Virou tão rotineiro que eu sei todos os acontecimentos de trás pra frente. É quase como um filme de terror, de tão previsível.

De olhos abertos eu encarava o teto baixo da minha incrível suíte de luxo... Feita de papelão.

Mas em minha defesa, um papelão de ótima qualidade e num beco maravilhoso! Ficava no meio entre um restaurante e uma loja de fantasias. Comida era fácil de conseguir, a gerente do restaurante "Carmesina" era uma moça gentil e de ótimo coração. As vezes ela me dava uma refeição completa. Nunca cheguei a entrar lá dentro, mas via de relance pelas portas dos fundos que vermelho era a cor predominante. Já no caso da loja... Fantasias não eram algo que iriam me interessar na minha condição atual e nunca conheci o dono. Pelo menos, não pessoalmente. O rosto sempre pintado dele estava por todos os lados da cidade.

A claridade do dia entrava por uma minúscula fresta da abertura improvisada que eu chamava de porta. E pra acabar logo com isso e começar meu dia para ele acabar logo, eu sai. E pra minha sorte, não estava chovendo ou frio. Estava um sol tímido, mas mesmo assim, melhor que uma tempestade.

Da última vez que teve uma, não foi nada bom. Garanto...

O restaurante estava fechado ainda (o que era estranho, pois abria cedo), então eu tinha que caçar meu próprio café da manhã. Então peguei meu carrinho de supermercado e parti para a minha rotina triste e monótona.

A rua estava com pouco movimento. Apenas algumas pessoas indo trabalhar ou fazendo sua corrida matinal. Quem cruzava comigo, desviava com cara de repulsa sem nem disfarçar ou se incomodar.

Ninguém escolhe viver nessa situação não, galera. O mínimo que poderiam fazer é tentar disfarçar. Nenhum ser humano gosta de ser desprezado. E adivinhem? Sem tetos são seres humanos ainda.

Mas mesmo assim, eu continuo na minha jornada heróica para salvar meu estômago de cabeça erguida. Então começo a olhar atentamente nas lixeiras para ver se não acho um restante de algo decente. E para o meu azar, nada. E uma hora depois, nada ainda. Eu estava faminto, pois na noite passada dividi minha refeição com os cachorros que me visitam de vez em quando. Já posso considerar eles como minha família. Até converso com eles e estranhamente eles parecem entender.

A regra é clara: faça amizade com cachorros. Eles sempre vão te ajudar. E são ótimos em procurar comida.

Estranhamente eu não vi nenhum desde que levantei. E isso é estranho. Pois é uma das zonas com mais fast foods e restaurantes da região. Eu virei a esquina na rua 54 e tive um leve espanto. Não havia ninguém na rua mais movimentada do bairro. As lojas estavam fechadas. Inclusive as padarias, que já deveriam estar abertas. De acordo com o relógio dos letreiros, era quase 09h da manhã. A única coisa se movimentando na rua era o que a brisa fazia mexer. Inclusive uma brisa com um cheiro muito agradável. Gostoso. Um pouco convidativo... Até demais. E irresistível! Eu não sabia identificar o que era. Mas meu estômago só faltava saltar da minha barriga e implorar para eu seguir aquele cheiro. E como eu não sou uma pessoa cruel comigo mesmo, eu segui o cheiro.

Não muito longe dali, o cheiro foi ficando mais forte, até eu reconhecer de onde ele estava vindo: de um beco que eu havia morado a uns meses atrás. Eu ainda não reconhecia o cheiro, mas tenho certeza que não era o beco que o estava exalando. Não demorou muito até eu encontrar e seguir diretamente para lá. Não havia mudado nada. As mesmas lixeiras azuis cobriam uma das paredes, enquanto no fundo, a grade havia sido limpa e o chão varrido. Estava bem higiênico até. Nada que pudesse estar exalando aquele cheiro parecia estar ali. A não ser que a moradora sentada no canto estivesse com alguma cozinha escondida na manga. Como as lixeiras estavam vazias, resolvi seguir caminho, até que a moradora dirigiu o olhar pra mim.

Reino Esfênio: O Caminho SafiraOnde histórias criam vida. Descubra agora